quarta-feira, 12 de novembro de 2008

PAUL CELAN

À NOITE O TEU VENTRE...

À noite o teu ventre é castanho da febre de Deus.
A minha boca agita tochas sobre a tua face.
Nada pesa a quem nunca ouviu uma canção de embalar.
Com a mão cheia de neve e incerto

como os teus olhos azuis, à hora redonda,
dirigi-me a ti. (A lua de outrora era mais redonda.)
O milagre soluça nas tendas vazias,
o jarrinho do sonho enregelou - que fazer?

Lembra-te: uma folha enegrecida pendia no sabugueiro �
belo sinal para a taça do sangue

PAUL CELAN


(a tradução (...) mas fica a homenagem)

sábado, 8 de novembro de 2008

a rosa

atrás de uma janela aberta
para o mar

o mais belo rosto do mundo


escolher sempre

a rosa por oposição ao vidro

o que acontece? (sobre o sal)

agora

um modo de salvar tudo
o que não aconteceu

mas, (se) tudo o que não
aconteceu

é a vontade do poema

como pode aquele
que semeia o sal

dizer a verdade
do que acontece (se)

escrever
face lira lugar onde

asa pão casa fonte

os nomes de todos os nomes

todos os nomes do silêncio, aqui

«la vraie vie est absente»

1

pelos fins de tarde escreve-se

sempre o silêncio

como antecipação da voz


a voz verdadeira está ausente


2

uma metáfora é tantas vezes nada

mais que um modo de pressentir tudo

o que não pode ser dito


não há voz
para todos os nomes

e não tenho como pôr
o meu pensamento em cima
desta mesa

3

e nas imagens, eis que deve ser visto:

a voz posta em abismo, ou

um modo ocluso de saber explicitar

"o equilíbrio do sol"


toda a paisagem
é uma coisa animal

sem nome


4

eis a imagem: a voz sem ninguém

de um nome que se apaixonou

pela mão que o escreve


desde o súbito estremecimento do pulso

à raiz de sal do silêncio feito olhar

não há outro caminho
que aquele que atravessa as salinas
para quem que escolheu
o silêncio como lugar

5

fossem as razões do mundo

as razões do poema,

e seria eu o vento atravessando

a lírica carne de dafne feita paisagem,

seria eu a salgar-lhe os lábios

diante do pressentimento do oráculo

tens apenas este poema
que é como que

o silêncio à distância
do espelho

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

o poema

o poema:

hermes nos juncais

semeando safiras,

é labirinto


sei o que espera:

quando a noite crescer dentro
das veias

desbruçar-se-á sobre a colheita
e há-de segar as rosas

como se fossem metáforas

au revoir

sim

«sejamos ávaros como o mar»


pelo caminho da «estreita lira»

desenhando janelas em torno
dos olhos

é a infância a despedir-se
das amoras

e do céu colhido todo junto

à raiz da flor da amendoeira


talvez um dia alguém te veja assim

não eu.

pertenço às amoras
e ao vento norte
polindo os olhos dos cegos

eurídice é um modo de dizer

todo o silêncio
que me pernoita nas mãos

sábado, 1 de novembro de 2008

a mão atravessando o papel

ou, como diria saint-john perse,

um núbil potro de crinas ao vento