sexta-feira, 21 de março de 2008

e dizeres-me, logo tu,
e o tenta-lo logo eu pô-lo em verso,
com a inutilidade e a cegueira negra
que isso contempla,

"uma pessoa entrega-se completamente,
e depois mandam-nos embora",

e o saber eu que é também isso que acontece
com as palavras, isso resulta

neste poema
que nem consegue ser ele
aquilo que é, nem
faz com que deixe de ser verdade aquilo
que me disseste sobre o que eu digo
sobre o que me disseste,

(quisera eu que este poema fosse
uma casa de rivette
para simplesmente
andarmos de mãos dadas
como o vento enamorado das rosas)

mas, este poema não tem altura,
dele não se vêem os os teus olhos,
nem nele as casas se interpõem
entre a espada e a parede

mas este poema não é sobre nada,
um poema não é sobre,
mas, tão-somente, um lugar
onde nada acontece

este poema é aquela altura
na qual se diz tudo dizendo nada,
ou o contrário dessa altura: o momento
em que a sede é vertical
e um corpo se precipita a prumo
numa vertigem de dedos:

a explícita forma pela qual
os pretextos contornam a catástrofe

experimento uma forma
de experimentar aquilo
que não se pode (já) viver

aceito que todos os nomes me esqueçam
numa enorme tarde de verão

não aceitarei nunca este poema
que me diz apenas
o que a duras diz que é escrever

mas profícuo sem dúvida
seria ouvir o que este poema me diz
sobre o amor e o que ele faz
com os nossos nomes

nomes que são dedos que nada tocam

no ocidente amor quer dizer queda
de um sol sobre uma nostalgia de águas paradas

(sim, este poema é para ti,
para te dizer que todo o meu vento quer um pássaro,
que estou cansado de viver com dedos sem mãos,
e que vi ontem o nostalgia do t. e falei com mortos a noite inteira,
que só faço estas coisas (só) quando não estás, que quero que estejas,
que me ouças, que te agarres ao meu polegar, como sempre
que preciso inelutavelmente de as fazer, estas coisas, todas
as coisas que ninguém fará por mim, e que pensei nestas coisas,
e que pensei que talvez o melhor seja adiar todos os nomes-
já me ouves? que talvez seja melhor deixar de falar
de segredos que não sei, que fazem não saber aquilo que sei que sei
fazer)

bem sei que já deveria ser idade para ter juízo,
mas não sei as proposições,
e a idade é também uma coisa que o amor dissipa, mas
pelas sementes dos nomes certos
na altura certa

para robert desnos

"o último poema"

(agora) sou um modo de inclinar
a mão (que alinhava o vento aos lábios)

sobre a brancura

sou uma forma de saborear a leveza
dos venenos rente ao pulso ígneo

sou muros de lume em redor

das veias do pescoço,

sou tudo aquilo que o verso divide
e reparte (sem poder dizer mais nada)

sou a rectidão oblícua da penumbra
das casas, uma voz que nada toca

e sou de arame sempre que me tocas
a pálpebra, e me ofereces frutos
e me ensinas depois

a arborização da seda através
das corolas solares atravessando

os olhos feitos de água negra

(agora sou) o resultado de saber
que, uma vez ditos, os nomes

são máquinas de produzir olvido:

a forma de um rosto se inclinar sobre

os naufrágios da noite, e saborear

o gosto do lume dobrando-se dentro
das sementes

(agora) inertes num chão de cinza (as palavras),

sou finalmente
a forma como a sombra se inclina sobre
os olhos (quando me olhavas a partir de mim)

sou nada mais que um esquecimento
de pálpebras

e toda a minha voz rasa
volteando em torno
da pergunta fatal
(que fazer com os teus olhos neste poema?)

quarta-feira, 5 de março de 2008

e pensar

e pensar que haverá uma voz
cor de vento
que diga um amanhecer
de janelas
sobre a sombra perecível do desejo

e pensar que haverá um mão de ouro
coada pelos teus olhos
que me tocaria levíssimamente
no cabelo mesmo acima da têmpora

e pensar como se me houvesses dito
o último segredo do mundo, justamente
quando as violetas (que são impossíveis)
entram em flor
entre o umbral dos (meus) ombros

e pensar, h., que há casas,
onde o espírito pode
provar o pão e o sabor,
sem que a sombra se
enrede nas veias das mãos
e não mais posssamos abrir
a secreta porta da permanência

e pensar que sou um homem
com a vida cerrada, vestida até ao peito,
um homem que nem as mãos consegue despir;
e pensar que dissesse que te amo
tão só para achar belas as folhas
das árvolres cair num outono
de jardins vazios

e pensar que tenho duas mãos
(uma das quais com qual nunca te toco);
uma das quais com a qual
nunca toquei ninguém,
uma das quais com a qual
nunca toquei nada;
e pensar que tenho essas duas mãos
que são tão-somente furtos sem cheiro;

e pensar que tenho dois olhos,
e com nenhum vejo,
com nenhum choro.

e pensar pensar que se perde
assim a vida "par delicatesse"
a pensar coisas que não se devem
pensar;

e houvesse eu de nada pensar,
de ser tão só uma mão cruzada sobre a outra,
tão só pétala de ar num riso de janela,
ou o teu gesto de penteares aquela lágrima
que eu te fiz chorar por pensar
(as) coisas que te digo.

ah, ccsário, pudesse eu dizer
que sou um homem
que sabe de cor os nomes
dos pássaros e dos frutos, o aorma de cada rio,
e todas as notas musicais do coração
por coração


ruy narval

sábado, 1 de março de 2008

há uma palavra impossível.

todos os poetas estão mortos.

a mão existe/é
separada do gesto.

o olho escreve a sombra

sobre o nascimento

toda a voz é impossível.

ruy narval

Cit(u)ação

"No meu inconsciente, são os outros que escuto".
Artaud

"A partir do momento em que falo, as palavras que encontrei,
a partir do momento em que são palavras, já não me pertencem,
são originariamente repetidas".
Derrida