terça-feira, 16 de dezembro de 2008

sempre o regresso a rimbaud

Soleil et chair

«(...) Je crois en toi ! je crois en toi ! Divine mère,
Aphrodite marine ! - Oh ! la route est amère
Depuis que l'autre Dieu nous attelle à sa croix ;
Chair, Marbre, Fleur, Vénus, c'est en toi que je crois (...)!»

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

citação

«Te split between poetry and philosophy testifies to the impossibility for Western culture of fully possessing its object of knowledge (for the problem of knowlege is a problem of possession, and every problem of possession is a problem of enjoyment, that is, of language). (...) The name of Hölderlin - of a poet, that is, for whom poetry was above all problematic and who often hoped that it would be raised to the level of the mëchanë of the ancients so that its procedures could be calculated and thougth - and the dialogue that with its uterance engages a thinker that no longer designates his own mditation with th name of philosophy are invoqued here to witness
the urgency, for our culture, of rediscovering the unity of its fragmented word (...)»

G. Agamben

domingo, 14 de dezembro de 2008

os amantes do ganges

prometeram-se o fim do mundo

mal sabiam que no fim

estava o início
já o peripatético perguntava

"onde está a esfinge?"

perguntamos-lhe nós agora

onde está a pergunta?

se a resposta for: num lugar
antes do espaço

ouviremos já a resposta?




«Whoever seizes the greatest unreality
will shape the greatest reality»

do trabalho do crítico

janus diante do espelho:

prefere antes

assegurar-se de que o rosto
não é visto,

prefere antes

garantir as condições de inacessibilidade
do saber que procura

que ir em demanda
da «via da esmeralda»?

pode a mesma boca conter duas falas
e fazer todas as perguntas inúteis?

prefere antes
agora és uma sombra
sobre o papel

traças o decalque do lume

e esperas que o contorno
do silêncio circunscreva

a cegueira como forma de ver

projecto

o nome e o lume

I


1

sob o vértice da rosa beberás

o solícito fruto do lume

a semente dos leitos de todos rios,


de todos os nomes,

(serás a pele e a queda)


crescerás, criarás (a) genealogia,

e debruçar-te-ás sobre o espaço


do verbo que antecede o princípio;

beberás lâminas e noites, e encantar-te-ás

no conclave das falanges predispostas

sobre o branco, ampliarás


o perímetro da mão avançando por dentro da sombra


hás-de esculpir auroras rente ao peito, e amarás

espelhos de espelhos;

mas compreenderás que a veia há-de florir

no delta das córneas a prumo sobre o branco, e amarás

essa secretíssima carne de mármore dobrada

sobre o teu nascimento


2

saberás, poeta, que um corpo pode ser um rio

subindo a prumo, e as estações, mulheres

que mudam de vestidos consoante a inclinação do sol, ou rosas

que manobram os astrolábios da canção nos solstícios

e fazem parar os rios, os rios

que são nomes minerais


os meridianos todos

convocados sobre o coração, e o idioma

do mar entre a sombra das casas



3

saberás, poeta, por fim,

que o poema é a carne toda junta, a carne


um fruto que se partilha,

porque é o sal e o coração: o poema

e porque, às mulheres, hás-de beijá-las e renascer

e semeá-las, rasas como a cal, na vindima das imagens


hás-de amá-las e morrer (raso)

como as rosas caídas de um azul céu de nomes;

há-de ser o teu mundo o seres raso

como a água;


e, como as pedras hás-de perecer e ficar,

hás-de beijá-las para morrer,

amá-las e morrer, e

pouco mais

(isto apenas é uma elegia enquanto os grandes incêndios grassam
através das mais entusiastas telas
reanascentistas)

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

a mão que toca
o pão

(é a mesma que toca
o piano)


os olhos que lêem
o vento

dizem-me

há que reinventar o lirismo

e que é preciso ter sempre mais
fome do mar
níveas, as mãos em redor do cálice

de fumo

são feitas as palavras

a propósito dos títulos

pura e simplesmente não

gosto de dar

títulos aos poemas

é tão paradoxal como
ter uma paisagem

imaginemos estamos

no alto de uma imensa montanha olhamos

para baixo

e damos um nome àquilo

tudo

e chamamos-lhe apenas

paisagem

com chet baker, lonely star, the prestige sessions+european son/velvet underground and nico

som sépala cálice pétala

clareira corola estame boreal

(uma clareira: um lugar onde pôr a voz)

toda a ornamentação do prodígio

eis toda a onomástica das minhas veias

eis toda a génese do sopro

a soberania de um país feito de vento


osso sangue carne
pele sopro cal


há quem diga (o) espírito

(ou umbral) por sopro,
e diga depois que vê, depois sempre

todas as coisas que nunca acontecem -

(e também o fogo a lavrar por baixo dos altares
e os gestos secretos encenados sob as mesas
nos grandes festins do sol) -

tudo em metástases com o mar por baixo
e as paráfrases à janela
com imemoriais saudades tantas dos navios

sei que é preciso circunavegar o mundo
com uma só palavra
trocar sopro por silêncio

(mas nunca direi que odeio o poema)

eis que digo e o que fica escrito

pôr uma coisa coisa sobre outra coisa

porque não se aprendeu ainda
a ver o modo
como o relâmpago vertebra ao instante
a respiração dos animais

por isso os homens
inventaram o destino
por não saberem o que fazer

com o nada


(but)

a word is a word is a word

a ouvir keith jarrett

esta brancura que uso como exercício

e todo o som das palavras

(entre tecla e tecla, dedo e dedo)

circunscrito entre as quedas de água do sol

sim, é verdade que nem tudo deve ter sentido

exercício após o pequeno almoço

I
nunca soube o que fazer com um poema

o excesso de sentido mina a pele
por dentro das raízes
atravessando o mármore

é desse não saber que são feitos
os desejos os mortos

os olhos dos vivos

e todas as paisagens sem nome

II
o vocabulário é o sangue
todo desconjuntado
transmutado em objectos,

que não são mais que
ausências viradas do avesso

um sentimento sempre tardio

e escreve-se tantas vezes
para dizer o que se diz

porque não se consegue dizer
o que se diria se se dissesse


III
não há quem escreva sobre o mármore
a sintaxe dos pássaros

quarteto e cordas para o fim dos tempos

e é verdade que entre um poema
e outro poema há

um messias que chega e outro que parte

e a estória é sempre a mesma, há
uma voz que diz «vem», contorna

os espelhos,

desequilibra-te só de respirares


IV
entre os dedos não tenho mais
do que imagens do fim
do mundo

soberbas vertigens minerais

umas poucas greias desgrenhadas
e eólicas medusas tardias

soubesse eu como entrar pedra adentro
para encontrar os meus olhos

e creio que poema saberia o que fazer comigo

ao acordar

agora o explícito ofício de desenhar
o vento, o mar

todo o contorno que excede a razão


alguém encontra um motivo

por exemplo um objecto
que se excede a si mesmo a partir

do que não é


o gesto da mão no limite do mundo

e a figura: tão só

o simples acto de respirar

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

artaud

após a rega do sal

apanhas os aparos da flor
da cerejeira

desenhas árvores no caderno

viajas

finges que escreves poemas
e por fim insurges-te contra
o mar

é tua a palavra que nada troca/toca
por outra coisa

é teu o branco perfume do vento

e os nomes de todas as janelas

ofício (medeia)

após a lavra do vento

o baptismo da cinza


sabendo que todo o fruto
é a obra póstuma
da semente

é assim que os homens sempre
procedem

elevam o olhos para a cúpula do estio

para não verem

(tudo o que
medeia
uma e outra coisa)

e atravessam com os braços
a terra

como se nem a cantassem

prenda de natal para visitantes (peço desculpa aos que já tenham recebido esta prenda)

http://www.youtube.com/watch?v=BkH0cPzg-IU





como recordar o que nunca aconteceu

PANTEÃO NACIONAL . LISBOA
ANA NOBRE . LUÍS FELÍCIO
10 JAN 09 . 17H30 . Entrada Livre



Trata-se de uma performance criada e executada por Ana Nobre
e Luís Felício, para o espaço do Panteão Nacional, em Lisboa.
Realizar-se-á dia 10 de Janeiro de 2009, pelas 17H30.
Inserida no Ciclo Internacional de Performance-Arte, organizado
por Fernando Aguiar.


SINOPSE
Um verdadeiro acontecimento tem que ter também como fundamento
a possibilidade da sua impossibilidade: o seu desastre,
o seu presente absoluto e a sua perda irreparável para um sujeito.
A aceitação de que poderia não ter acontecido – para que aconteça.
Algo que nunca tenha acontecido não pertence nem à verdade nem à falsidade.
A memória regista apenas uma ínfima parte do que realmente
aconteceu, e guarda inevitavelmente essa parte como verdade
do todo.
Se se quer recordar algo que nunca tenha acontecido tem que se entrar
no território da fábula, tem que se ficcionar, tem que se
proceder à sua representação. É esse impossível – que nunca
aconteceu – que é toda a ficção absolutamente necessária à vivência do presente, já que não há como garantir uma forma de
consciência que possa possuir absolutamente toda a realidade
do vivido no presente. Protegemos o que acontece – o nosso vivido – com a sua repetição.
Tornamo-nos imagem para que possamos ter o nosso presente,
para que sejamos capazes de ter palavras.


MATERIAIS
Uma máquina de filmar digital mini-dv; uma máquina fotográfica digital; dois tripés;
um mapa da Grécia Antiga; o livro Hölderlin, Poemas, ed. Relógio D’Agua; uma carta do poeta Frederich Hölderlin para o seu amigo, o filósofo Georg Hegel, de 10 de Julho de 1794; a reprodução sonora da recitação de um poema de Hölderlin, Andenken, Recordação, por Bruno Ganz (manipulada); a estrutura do Albergue da Liberdade, de Pancho Guedes.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

antiguidades

o sangue desconhece o luto da rosa, (e)
o poema realiza a obsessão da veia
a apologia do grito elidindo
as conjunções do coração

o poeta escreve,
com um caule de veia sobre a água, e

arboriza-se,
como as mulheres

na inelutável volúpia do poema

que, um poema não se escreve, é
a argúcia afinada da mão rente
à lâmina, a avidez de fruto do silêncio

sondando o mistério

um poema escreve-se, assim:

arrancando as veias

pétala a

pétala, e

a carne esticando-se na oclusa brancura
do canto; enquanto as mulheres rezam
pelos dilúvios sentadas
no centro dos aguaceiros, e

o sangue se
arrepia
nos braços dos homens
sustentando os céus

as mulheres oferecem então os seus ventres para a sustentação

das casas, e, se
no trabalho do poema, a boca é uma casa ou
um barco aos gritos,


o poeta
compenetra-se, numa paciência de geómetra na medição
da altura do grito, procura
o cruel fim da inteligência

uma imagem:
o caule sustentando a criança, de pé
no centro do pulso,

o poema,
(escreve-se enquanto não se vê)

debruço-me sobre a ânfora do poema
onde choraste os teus cabelos desfeitos
as águas espelham-te o rosto

e ver é ver o lume
é narciso no conluio das imagens
quando a mão adestra o branco ao lugar
(um poema nunca existe)

a cal, a cal é o fundamento
de todas as paisagens

o branco revela o verbo
o seu sangue branco aberto
em flor na ponta da vara
das falanges sempre expostas ao flagelo:

o poema é narciso
tecendo relâmpagos

com as limalhas de ferro dos rios arrancados
ao dom de ver na conformidade
do cálculo dos coágulos attravessando a memória: o tempo
aniquilado no torno de um elogio duradouro

o poema é suster o gesto de olhar sobre as massas terríveis
e promover um desvio salubre:
é simples como esquecer um rosto amado

é branco, o poema: as mãos que tocam as labareadas
ardendo sobre os caudais que me atravessavam
os ombros quando me tocavas
e não havia tanta água rubra entre nós

(escrevo enquanto não te vejo)

Performance (homenagem a Hölderlin)

como recordar o que nunca aconteceu

PANTEÃO NACIONAL . LISBOA
ANA NOBRE . LUÍS FELÍCIO

10 JAN 09 . 17H30 . Entrada Livre

Trata-se de uma performance criada e executada por Ana Nobre
e Luís Felício, para o espaço do Panteão Nacional, em Lisboa.
Realizar-se-á dia 10 de Janeiro de 2009, pelas 17H30.
Inserida no Ciclo Internacional de Performance-Arte, organizado por Fernando Aguiar.


SINOPSE

Um verdadeiro acontecimento tem necessariamente como fundamento também a possibilidade da sua impossibilidade: o seu desastre,
o seu presente absoluto e a sua perda irreparável para um sujeito.
A aceitação de que poderia não ter acontecido – para que aconteça. Algo que nunca tenha acontecido não pertence nem à verdade nem à falsidade.
A memória regista apenas uma ínfima parte do que realmente
aconteceu, e guarda inevitavelmente essa parte como verdade
do todo.
Se se quer recordar algo que nunca tenha acontecido tem que se entrar no território da fábula, tem que se ficcionar, tem que se
proceder à sua representação. É esse impossível – que nunca
aconteceu – que é toda a ficção absolutamente necessária à vivência do presente, já que não há como garantir uma forma de
consciência que possa possuir absolutamente toda a realidade
do vivido no presente. Protegemos o que acontece – o nosso vivido – com a sua repetição.
Tornamo-nos imagem para que possamos ter o nosso presente,
para que sejamos capazes de ter palavras.


MATERIAIS

Uma máquina de filmar digital mini-dv; uma máquina fotográfica digital; dois tripés;
um mapa da Grécia Antiga; o livro Hölderlin, Poemas, ed. Relógio D’Agua; uma carta do poeta Frederich Hölderlin para o seu amigo, o filósofo Georg Hegel, de 10 de Julho de 1794; a reprodução sonora da recitação de um poema de Hölderlin, Andenken, Recordação, por Bruno Ganz (manipulada); a estrutura do Albergue da Liberdade,
de Pancho Guedes.

Schubert, D 960 (Brendel)

o distendido
movimento da melancolia

som pele e queda
há uma pirâmide atrás
dos meus olhos

e que posso fazer
senão nadar em volta

eu que nada sei dizer
de outra maneira?

a ouvir a moonlight sonata (Wilhem Kempff)

no mais fundo centro da noite

é outono
o silêncio

o seu odor a mármore
justamente acabado de lapidar

alguém colocou um piano
no centro da água revolta

alguém é convulso
enquanto se exercita
na arte de nada ser

eu é uma palavra
que digo diante de um espelho

quando o poema é já
a veia agora toda calibrada
pelo som incircunscrito

"não é meia noite quem quer"


repete enfim a voz que já não não assiste
à eclosão da semente

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

I

profiro lentamente uma palavra
que faça sombra
ao convulso movimento
dos dedos

porém, é preciso
aprender a ouvir o silêncio

os rios são coisas
que não se podem dizer
sem ser em segredo

caminha-se sempre sobre a seda
quando se escreve

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

A MORTE É UMA FLOR

GRÃO-DE-LOBO

Põe o ferrolho na porta: há
rosas na casa.

sete rosas na casa.

o candelabro de sete braços na casa.
O nosso
filho
sabe isso e dorme. (...)