sábado, 31 de janeiro de 2009

rien de

na peleja do vento
e da ânfora- o poeta

o exercício do poema
é também o acto
de encontrar os nomes
com que cingir o vazio

março

ouve agora o labor de março,
sob o céu, que é azul e não
azul,

o peito que estremece
no interior,

das cerejas em crescimento,
só eu sei a verdade

é a partir de uma gota de sangue
que nasce a primavera


(yes, every song tails with
good luck, menino mr. dylan:)

diálogo

I
a caminho do mar
de ânfora
guardada
no tímpano

o rosto sempre diante
do silêncio
dizes-
me o nome que só eu sou
capaz
de ouvir

II
a caminho da água
com tróia ardendo atrás
das costas,
não desvias os olhos
do lugar onde guardo
o maior silêncio
que só tu sabes ouvir
nos meus olhos

III
a caminho do mundo
e do aroma das amoras,
dizes-me, segredas-
me ao ouvido a palavra
que só
eu posso ouvir

IV
foi depois do dilúvio
que me contaram esta conversa.

houve alguém que sobreviveu
ao deslumbramento e ao pavor

houve alguém que disse
o nome verdadeiro
e encheu a sua ânfora
no centro da monção

e me trouxe um segredo
maior do que o silêncio
que posso suportar

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

todo o amor seja uma religião sem erros

uma religião sem erros- presságio

todo o meu amor seja uma religião sem erros

deposito os (meus) lábios nos canopos
infinitesimais da melodia:
o estame que ata a mulher e a serpente
às coisas e aos lugares
onde tu terás o ouro e a morte nos lábios,
e rodopiarás sobre as mesas
e dentro dos cântaros

e sobre a epiderme de espelho ou mulher
dos lagos

aliciarás o verão à mulher que nasce
do conluio das jóias na plena pradaria dos olhos abertos:

pátria primeira, uma mulher é uma euforia
de elipses

é uma eufonia de dedos
abertos ao toque
interjeitado das artérias semeadas no/de vento

há muito tempo (após o filme de peter greenaway)

oito mulheres e meia, o nome alto
da minha morte
vendo

as crianças atadas às raízes das ilhas
e as mulheres lascando a têmpora na dobra dos espelhos
habilitando os caudais da engrenagem da(s) veia(s)
(des)obstruindo-lhes os veios dos meandros
que lhes ligam o nome à morte que lhes pertence

vejo a mulher navegando as sombras e colocar-se de pé
num ápice e desenhar sobre a brancura uma elipse de sal, se

quatro papoilas depois se abre a irreparável cesura
à leveza que o canto tece:

a barroca comoção da minha morte: o perímetro
da cintura de oito mulheres e meia-rosa
que é a têmpora dilacerada pelos aguaceiros sob os girassóis

depois, as margens litúrgicas dos rios quebrarão
os derradeiros selos, e estilhaçar-se-me-ão as dádivas
ascendendo aos deleites apaixonantes:

limpa apologia solsticial da cor púrpura do pulso
assim aprendo a estimar ardentemente
a inevitabilidade de tudo
o que não posso nomear

ah, as mãos, a centrífuga cerâmica das imagens,
as minhas oito mulheres e meia-rosa

as minhas oito mortes e meia,
sem nome

la rose c'est la vie

acender os nomes
por dentro
do seu caudal de cores
e arestas de espanto
procurar o mais alto olvido
promover o lento amadurecimento
dos frutos

dar fontes às rosas, ou
dar rosas às fontes ou pássaros
ensinar o sangue
a percorrer os veios da sede e
a amar a volúpia

do aço rente à tangente do lábio

parar. observar o sangue parado.
(no sono das aves. suster a respiração)
nas artérias e os dedos sondando/sonhando
nas varandas do verão
a amarela loucura das magnólias ou dos lírios

dardos ávidos dos/nos poentes
na debandada das glicínias

acender a pedra. modelar.
o sonho da criança aberta
aos aguaceiros e aos equinócios cantantes;
a loucura dos meridianos em flor
lascar. o sangue.
pétala a pétala
e, saber-se
de mármore nas quedas obtusas do espanto
ir. com os rios, desaguar nas clarabóias
da cabeça envidraçada da mulher, onde
a vela ilumina a roxa sagacidade da veia acendendo

o tumulto dos nomes por dentro, onde
o olhar de deus/ser comprime
as evidências
e realiza os oblíquos trabalhos
da visão

primeiro poema escrito a seguir à trágica perda perda do moleskine no Bairro (se souberem de algo, devolvam-mo, hein

nas cúpulas acende-se o voo,
enquanto o vento leva a primavera à exaustão,
e no perímetro das ancas da mulher, que baila, se

congemina a metálica combustão
das mãos e das bocas,

no pleno centro da dança:

é aí que o poema germina

da breve volúpia das carnes em flor
nas cúpulas, onde
o silêncio habilita a boca a

a um fulgor inaudito,

e um ventre amadurece como um fruto
e as mulheres aumentam dentro dos vestidos,

e dentro dos braços dos homens
os lábios rodeados de uma elipse de água,

se
as águas cantam a desmantelada volúpia de um corpo
de uma carne que não se conhece

e, o poema robustece-se na avidez de um peito e de um ventre
entregues ao olvido
da veia atada à brancura da cal
e ao caule do lume de
uma boca aberta sob a fecundidade
encantada e o luto ardido das cópulas dos amantes
escondidos dentro das ânforas

em dias de chuva,

é aí que o poema germina
é aí que o lume grassa (s)e as mãos se encantam

do baú

melodia, o anódino contorno do lábio exaltando/lapidando
as evidências carnais do verbo, música: a cruel ciência de deus
a branca anti-memória dos dedos angariando a hora tremenda
dos estuários, quando deus desce ao soberbo contágio
das coisas que duram
sobre a inevitabilidade dos contornos terríficos que
um nome acende nas faces harpejantes das ninfas, que

passam os dias fechadas nos quartos escutando
as paredes deturpando os lugares
auscultando os milagres com as pontas dos dedos gastas
no choro da improbabilidade da finita alegria dos coros acendendo
os dedos rente à carne inundada da menstruação das cómodas abertas
ao rumor dos ventos que lhes escalam as preces até
à carótida rubra do pescoço
na proximidade do tímpano: a melopeia das noites choradas
rente aos tornozelos de deus,

que não canta, que não chora as madeixas todas da amada aos gritos:
medusas da sede que, por fim, te tenho, de
encheres os estuários com a prata dos braços desenhando
a dramaturgia que as aves querem

as águas

as águas confluem na melodia, se a ave
reúne os ventos e os caudais da veia,

mas se sorris, as aves abrem-se
em diademas, a perifrástica massa
cutânea dos poentes exaltando
a pupila inundada de valquírias aos gritos

o poente: a carne atada ao estame que atravessa
os ombros de deus e o umbigo dos navios
e as gengivas da criança


e, se vens, se chegas todas as rosas, todas as aves, conjuram
a expedita lonjura dos presságios:
deus pe(n)sando a carne dos homens nas praças ensolaradas

(dos presságios) baldios onde
te encontro aberta em diademas, dentro do sono perpétuo das aves mortas
no êxtase da migração,
onde te encontro, aberta em diademas pisados
dos ecos que soçobraram da cegueira dos aguaceiros
e dos cismos dessas agulhas sobre a pele furando
(o que leva a mulher, uma mulher a tocar piano e
comer laranjas à chuva?)
a diegese do fruto, que convocaria as evidências aos meus braços
rodeando os prodígios, se

uma casa pudesse florir como uma mulher alongando-se branca
rósea, hera das horas florais do canto, praia eninfada de crianças,
violino enlouquecendo os cavalos
dentro do vestido, ou
como a agulha furando o tímpano e o estame passando, furando
as águas, se

as mulheres se costuram pelos lábios às evidências da ave aberta
em diademas, no voo, aos derradeiros paroxismos e à
paramnésia do âmbar que
se forma entre os joelhos da mulher: lugar de todos os ritos

e depois

a pálpebra rutilante do deus, parábola do fruto sobre as águas,
argila de boca, aberta, se a melodia a insufla
de vertigens e transmigrações:

se a mulher, por fim, canta
perde, derradeiramente as feições
inunda-se de água,

cada mulher tem o seu dilúvio privado,

começa rente ao tornozelo

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

como eu gostaria de lá ter estado (mas substuindo a heroína pela poesia):P

http://www.youtube.com/watch?v=G8VIXnTL6O0

depois de beber um chá verde, continua a apetecer-me de fazer um revolução

http://www.youtube.com/watch?v=i0XknwXqLDo&feature=related

inconfundivelmente genuíno

http://www.youtube.com/watch?v=dvyDWGF290M&feature=relatedinc

delicioso, sente-se o gosto no sorriso

http://www.youtube.com/watch?v=IMsnqQHOwFg

este sr. é doido mas a letra até é boa

http://www.youtube.com/watch?v=nNXJBXBoiN0

1

diante do mar

antevejo as planícies místicas de outubro,
quando o vento trás o travo das gaivotas
à boca semeada das papoilas da primavera

é verdade, há um caminho secreto que conduz,
através dos verdes campos de maio,
à casa que, regada do incêndio do verão
mostra em outubro que, depois da bucólica infância
das imagens, vem sempre o espaço do poema:


o olhar que distende o movimento da mão conduz
à casa a casa a casa a casa
a conciliação dos trabalhos da mão
com o perfume do silêncio


então, antevejo:
o poema é a mão que corrige o olho,
que antecipa a eternidade

sou o caminho dessa mão
que antevê o cálculo
do marinheiro que manobra
o astrolábio da canção

essa mão é todo o corpo do poema

a mão que distende o travo das manhãs pela paisagem
e mantém sempre todo o silêncio junto ao peito,

a mão que escreve as marés as marés as marés
e trás a lua a lua a lua para o olho,
e trás a lua condenada pela carne e pelo sal
à degustação das parábolas


entretanto,
o gosto progride, como um segredo

a mão promove uma lenta infância que se alarga,
um caminho através do poema, que
não teme a derrocada das casas, que
promove o anseio salubre que
as planícies infundem no rosto da criança
adormecida

sabe-se que
diante do mar, todos os caminhos levam ao silêncio

poema

antes e depois de tu morreres


As coisas que existiam antes de tu morreres
e as coisas que surgiram depois:

Às primeiras pertencem, antes do mais,
as tuas roupas, as jóias e as fotografias
e o nome da mulher que te deu o nome
e também morreu jovem...
Mas também um par de receitas, o arranjo
de um certo canto na sala,
uma camisa que me passaste a ferro
e que guardo cuidadosamente,
debaixo da minha resma de camisas,
algumas peças de música, e o cão
sarnento que por aí anda
com um sorriso estúpido, como se ainda aqui estivesses.

Às últimas pertencem a minha caneta,
um perfume conhecido
na pele de uma mulher que mal conheço
e as novas lâmpadas que pus no candeeiro do quarto
que iluminam o que leio acerca de ti
em todos os livros que leio.

As primeiras recordam-me que exististe,
as últimas que já não existes.

Que sejam quase indistinguíveis
é o mais difícil de suportar


-Henrik Nordbrandt

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Para ti

«o insustentável peso das maçãs
desperto sem outros olhos que não a pele. sinto as memórias por um caroço que trago fundo em mim. o futuro tem a cor da minha imaginação e toda ela está consagrada a uma espera de décadas para afirmar a leveza do sabor. saboreio dando tempo ao tempo para ter o tempo por dentro, a assistir e participar do insustentável peso das maçãs. se te digo cor é para consagrares as aparências com as essências e encontrares cada uma em cada mão. agora abre os olhos: o que farias hoje se hoje fosse tudo o que tivesses sem haver um amanhã? já sei. vou comer uma maçã e lembrar-me de um amigo que em tempos tive e que infimamente conheci. faço o que ele faria, também, com prazer e calma de quem não diz adeus mas até depois. nada me fará esquecer de sentir o apito do barco, o cheiro do pão pela manhã, a frase dita com carinho aberta a uma morte feliz. a maçã caiu. novas árvores virão.»

Michaux

RUMO AO HOMEM

Um sábio ser, um dia, veio e instruiu-nos a nós, os ignorantes.
Ensinou-nos a falar. Antes só sabíamos cantar.

Foi uma tentação. Com certeza devíamos aceitar. Agora todos sabemos falar, após alguns anos de infância e balbucios. Mas agora já não somos como dantes. Já não é aquele encanto.

Faziam-se coisas. Havia empresas, reuniões, obras, preparações rumo ao futuro. Tínhamos árvores. De quase tudo se ocupava ele. Outrora governava-nos. Não precisávamos de querer, de decidir. Ainda podíamos folgar. Desapareceu, sem conseguirmos perceber.

Agora tudo nos incumbe a nós, e ele deixa andar, já não se interessa.
É como se não desse por nada.

Não foi a primeira vez que ele se desligou.
A seu ver, é certo não sermos aceitáveis, nem sequer muito interessantes. Os nossos pais-predecessores sabiam interessá-lo. Eles sim, sabiam o que se impunha para não ficarem sozinhos, fazendo-o voltar. Nós porém não sabemos, não demos com o meio necessário.

Dantes uma música unia-nos. Uma música que nos fora dada para isso, para a ele voltarmos, para voltarmos ao ser tão importante que podia governar-nos a terra que era nossa. Uma certa música. Essa música, que nos fora legada para ser o elo, voltava a pô-lo em contacto com a gente. Mas foi perdida.

Alguns de nós deixam a tribo para ir viver com os animais selvagens. Nós deixamo-los ir.
Os animais selvagens não os aceitam. Não se deixam enganar por inclinações tumultuosas, por meras intenções.
Deste lado o fosso é grande e largo, um fosso que actualmente não pode ser coberto.

Porque nós não somos animais. Embora de certo modo ainda não sejamos homens perfeitamente. Havemos de sê-lo. Convém não desesperar. Já o fomos. Fomo-lo em tempos recuados. Ao mesmo tempo que esses que hoje em dia nos bosques e na savana inteiramente voltaram a ser animais, mas respeitamo-los. Vedamo-nos vigiar as suas vidas ou indagar seja o que for sobre essas vidas, o que desta ou daquela maneira talvez os humilhasse.
Porque, apesar de termos ficado, quanto a nós, mais de meios-homens sobretudo no aspecto, e por isso à frente dessas vidas, é de recear e é possível que só depois delas de novo nos tornemos homens completos e verídicos. Não se pode saber. Não se pode ter a certeza. Gabar-se a gente disso não cairia bem.
Por enquanto, a quatro patas ou de outro jeito, na floresta, em tocas, elas aguardam o seu longínquo futuro de homens, com grande dignidade, com uma dignidade exemplar.
-
-
-
-


PARAGENS BRUTAIS

Ao olhar a grande figura, enterramo-nos. Muitos já estão enterrados. Até onde, isso não sabem: ainda falam.
Os que se destinam a ser colados nas paredes da cidade serão alimentados com detritos. Habituaram-nos a este alimento. Deve bastar-lhes.

Nos baixios da memória, o céu. Restos. Restos de luz cujo emprego ignoramos.

Estamos à espera dos curativos. Vem atrasada a entrega dos curativos.

Vai-se adensando a sujidade.

Máquinas, então. Outras máquinas. Mais máquinas ainda. Havemos de descobrir. A cabeça continua plástica.

Passam ondas: de frio, de medo, de raiva, de impotência, de insubmissão, de incondicional protesto...
Ondas: para irem atracar aonde?

E sempre mais abaixo, procurar na cisterna do corpo.

Época das sagradas latrinas. Os olhares já não vêem as mesmas partes, e os mesmos conjuntos também não.

Por água abaixo. Por água abaixo ou de costas prà parede.

Christus não resistiu ao confronto.

Por cima das cidades as nuvens já não partem. As manhãs não regressam.
Violentamente agitadas as jaulas, mas sempre jaulas.

O Número aumenta.
Uniformemente, o ovo, em miríades, o ovo, as saídas do ovo; família para as necessidades do ovo, cadeia sem fim, manivela proveniente dos desejos. Quantos ovários oferecidos por esse mundo fora!

Os destinos de milhares de milhões de homens. Visíveis por todo o lado, mostrados, outra vez mostrados. A gente segue-os. Toda a gente ferida por toda a gente. Em massa em reservatórios.

Ouvir, ouvir de novo, dever de ouvir, dever de conhecer os acontecimentos.

Quanto ao solitário, por todos há-de ser enlameado.

Estamos aqui, onde não se pode estar sem desaparecer.

Mais alguns dias.

Em redor, máquinas com rodas em acção. Em andrajos coloridos, os últimos nelas montados dão ainda umas voltas.

Alguns caem. Não voltamos a vê-los. Mas ainda sobram. Ainda sobram enormemente.

Os recém-chegados. A nova agitação. A nova explicação. Novos malefícios.

A gritar, agarram-se e agarram-se. Todos, a todo o preço, aparecerem pelo menos uma vez no terraço.

Mal sabem ler e já imperadores. Rebanhos de imperadores.

Véspera de catástrofe. Instalação-mudança a preceder aniquilamento.

Em civilização atrelada, a gaivota e o veado ao mesmo jugo atrelados.

Profundos são os poços para onde somos aspirados; profundos como o mar.

A quantidade terá prevalecido.
Eles gostam de puxar uma corda a que muitos estão agarrados.

A barreira dos sinais retém, a barreira das denominações, a barreira das injunções. Universalidade da norma matemática.
Os que buscam, todavia, encontram, ao avançar, o impensável, cada vez mais o impensável, o inconcebível, o inapreensível indefinidamente.

Acabam-se os refúgios.
Espécie de actividade desmedida, a espécie de crescimento desmedido tudo terá amputado.

A sufocar, onde se entra, a sufocar embora aberto aos ventos todos.

Presença. Hominídea omnipresença. Os seus ruídos, carnívoros dos nervos.
De todo o lado, de milhares de léguas de distância as suas vozes voltam, retumbantes, acabrunhantes, penetrando sem tréguas no interior dos mais retirados aposentos.

Retirar-se. Quem poderia? Da espécie ninguém se evade.

Sobre o homem, sobre qualquer homem se abate a hominalidade.
Vão dar com o solitário, no seu retiro, em si envolto. Ele ouve, ouve-os enquanto reflecte, também ele com homens cava o Mundo.
Se não, como faria?


Tradução de Júlio Henriques
Textos extraídos de Chemins cherchés Chemins perdus Transgressions, Gallimard, Paris, 1981

Brian Eno, By this river

here we are
stuck by this river
you and I
underneath the sky
that's ever falling down, down, down
ever falling down

through the day
as if on an ocean
waiting here
always failing to remember
why we came, came, came
I wonder why we came

you talk to me
as if from a distance
and I reply
with impressions chosen
from another time, time, time
from another time

Brian Eno Mother Whale Eyeless (esta música dá mesmo vontade de correr o mundo de bicicleta a pedal, eheh, mas que é, sem dúvida um sonho)

Mother Whale Eyeless


I can think of nowhere
I would rather be
Reading morning papers
Drinking morning tea.


She clutches the tray
And then we talk just like a kitchen sink play
Nothing ventured nothing gained
Living so close to danger
Even your friends are strangers
Don't count upon their company.


Places for the fingers
Places for the nails
Hidden in the kitchen
Right behind the scales.


What do I care
I'm wasting fingers like I have them to spare
Plugging holes in the Zuider Zee
Punishing Paul for Peter
Don't ever trust those meters
What you believe is what you see.


In my town, there is a raincoat under a tree
In the sky there is a cloud containing the sea
In the sea there is a whale without any eyes
In the whale there is a man without his raincoat.


In another country
With another name
Maybe things are different
Maybe they're the same.


Back on the train
The seven soldiers read the papers again
But the news it doesn't change
Swinging about through the creepers
Parachutes caught on steeples
Heroes are born
But heroes die.


Just a few days
A little practice and some holiday pay
We're all sure
You'll make the grade
Mother of God if you care
We're on a train to nowhere
Please put a cross upon our eyes
Take me I'm nearly ready you can take me
To the raincoat in the sky
Take me my little pastry mother take me
There's a pie shop in the sky.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

a escrita do poema

I

por baixo do luto
do céu

a terra arável
com o sal por cima


II

todo o signo
sucumbe por vezes
à morte de um sentido

e, como se fosse apenas
a cruel doçura de uma carícia,
há um rosto que emerge
da pedra e da terra viradas
do avesso, e nos beija os olhos

quando o poema está completo


III

o que fica escrito
é a crueldade como conjugação
do alto e do térreo

e o fio-de-prumo
estendido na brancura do chão, por de baixo
da macieira

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Susan Sontag

Diálogo entre una descendiente de Noé y un pájaro
Susan Sontag
La Jornada - México

Cuéntame un cuento ¬dijo una de las descendientes de Noé¬. Sí, cuéntame un
cuento.
¬¿De qué clase? Mmmm. Puedo contarte uno con final feliz.
¬No seas condescendiente. Puedo tolerarlo. Sólo cuéntame un cuento.

¬Entonces te contaré uno con final triste. Pero después de un rato ya no
prestarás atención. Estarás inquieta, con la mirada distraída. Y te
preguntaré lo que ocurre y me responderás que ya has oído ese cuento antes.
Me dirás que no tenía por qué haber terminado tan mal.
¬¿Sólo hay dos clases de cuentos? No es cierto.
¬Ay, el cielo es amplio. Ay, el océano, profundo. Y todos los cuentos ya
han sido contados, ay, ay, ay...
¬¡Basta! Sólo quieres atemorizarme. Pero es inútil, no tiene remedio. Debo
mantener el ánimo en alto. Sé que eres un pájaro agorero. Te gusta
atemorizarme.
¬¿Agorero yo? Te equivocas. Me encanta estar vivo. Precipitarme, lanzarme y
posarme donde me apetece. Lo que ocurre es que si observo mi entorno no
puedo sentir más que desánimo.
¬Escucha, se supone que eres el portador de buenas nuevas.
¬Sólo puedo relatar lo que veo.
¬Pues vuela, entonces. Y no vuelvas hasta que puedas contar algo optimista.
¬¿Ves? Te lo dije, no quieres oír malas noticias.
¬Vaya, es que no quiero escuchar malas noticias siempre. No me lo reproches.
¬Bien, lo intentaré de nuevo. No creas que me gustan las calamidades, claro
que no. Así que quieta aquí y déjame echar otro vistazo.
¬¡Espera!
¬¿Qué?
¬No te distraigas por ahí. Quiero decir, no hagas el tonto. Es decir, sólo
trae las noticias.
¬Primero me riñes por agorero, y ahora me reprochas que lo pase bien. Pero
no puedo evitarlo. El éxtasis es lo mío. Soy un artista, ya lo sabes.
¬¿El éxtasis, dónde?
¬Por doquier.
¬Vaya suerte.
¬Qué, ¿nunca lo has sentido?
¬Claro, pero...
¬Sí, ya sé. Pero entonces algo te desanima. Cargas con todas estas
posesiones que tanto te importan y tienes que guardar y remplazar, y todos
tus ambiciosos proyectos y tu crasa parentela, y...
¬No hables de mis parientes, ¿te queda claro? Se esfuerzan mucho.
¬Todos os esforzáis. Sobre todo en ignorar las malas noticias hasta que
vienen a posarse en tu regazo.
¬Y ¿por qué no habríamos de albergar esperanzas? Considera a cuánto hemos
logrado sobreponernos. Y aquí estamos, todavía. Perduraremos. Lo sé.
¬Eso espero. Ojalá estés en lo cierto. En todo caso, yo me voy.
¬Pero, ¿volverás?
¬Sin duda.
¬¿Me lo prometes?
¬Desde luego que volveré.
...
¬Vaya, ¡te has retrasado!
¬Lo siento. Me lo estaba pasando bien.
¬¿Y qué más?
¬Estaba buscando buenas noticias.
¬¿Y?
¬Pues bien, siempre hay alguna buena noticia, si eso es lo que quieres
saber. Te ruego que no creas que disfruto con tu preocupación.
¬Vamos, preocúpame.
¬Nada parece estar marchando muy bien allá. Vi cosas muy perturbadoras.
¬Estoy segura de que te desviaste para encontrarlas.
¬No hizo falta ir muy lejos.
¬Quizás no te parezcan bien a ti. Quizás mi punto de vista es distinto.
¬Muy bien, prueba tú. Traigo algunas fotos.
¬Vaya, fotos. ¡Qué bien!
¬Míralas.
¬¡Dios mío, es la luna! Las aguas retrocedieron y recalamos en la luna.
Alabado sea el Señor.
¬No, es el desierto.
¬Ah. Mira, éstas son magníficas.
¬Gracias.
¬Me parece muy hermoso. Estos dorados, rosados y castaños. Y el cielo. Y la
luz. No veo que haya nada malo.
¬Bien, no se trata sólo de mirar. Tienes que saber lo que ha estado
sucediendo. Hay un cuento que acompaña las fotos. Cuando conoces el cuento,
las fotos cobran otro sentido.
¬Ya sé, ahora me vas a venir con lo de la maldad humana. Ya me sé la
historia. Por eso hubo un diluvio.
¬No, no quiero contarte algo tan general. Más bien quiero hablar de la
pasividad. Y del poder. Quizás adviertas que no hay gente en las fotos.
Pues esto es lo que ha hecho la gente.
¬De igual modo, me parece hermoso. ¿No puedes ver el friso sutil de las
ruinas a lo lejos, casi del mismo color de la arena?
¬A veces, cuando las cosas son destruidas, parecen hermosas.
¬¿Más hermosas?
¬A veces.
¬¿Y cómo lo sabes?
¬Debes aprender a interpretar las señales.
¬No, puro graznido.
¬Graznido humano, te lo aseguro.
¬¿Hay mucha gente que conoce esta historia?
¬Sí. Mucha. La cuestión no está en saber sino en preocuparse.
¬Pero debes aceptar que preocupaciones sobran. No puedes preocuparte por todo.
¬Creo que esto debería preocuparte.
¬Pero el mundo es un lugar muy amplio, ¿no es así? Quiero decir, hay mucho
espacio. ¿Realmente importa lo que sucede en unos cuantos lugares? ¿Si unos
lugares se estropean, arruinan o profanan? Siempre hay espacio para
continuar. ¿Si se le prende fuego a unas bibliotecas llenas de libros y
manuscritos viejos, si se saquean unos cuantos museos? Al mundo le sobran
más cosas viejas, si eso es lo que te gusta ver.
¬Debes de ser de Estados Unidos.
¬¿Cómo?
¬No importa.
¬Creo que le contaré esta historia a unas cuantas personas. ¿Les puedo
mostrar las fotos?
¬¿Por qué no?
¬No vueles ahora. Quédate en tu percha. ¡Volveré antes de que me eches de
menos!
...
¬¿Me echaste de menos?
¬¿Qué dijeron los demás?
¬Dijeron que las fotos eran hermosas.
¬¿Es todo?
¬Dijeron que también estaban inquietos.
¬¿Qué más?
¬Dijeron que no había nada que hacer.
¬¿Eso dijeron? ¿Todos?
¬Bueno, no todos...
¬Y...
¬Dijeron que el mundo allí fuera es cruel.
¬Yo diría que el mundo también es cruel aquí dentro. En tu, ¿cómo le has
llamado?, arca.
¬Nos las arreglamos.
¬Ya veo.
¬¡De verdad! Sólo tenemos que, mira, reducir nuestras expectativas.
¬A medida que todo empeora.
¬Exacto.
¬¿Y ahora quién es el pesimista?
¬No es pesimismo. Es realismo.
¬Sí, claro.
¬Y también me advirtieron de que me tomara con un grano de sal lo que
decías. Dijeron que eras un artista.
¬Yo ya te dije eso.
¬Creí que tu labor era traer noticias.
¬Los artistas también hacen eso.
¬Sí, malas noticias.
¬No siempre, te lo aseguro.
¬Dijeron que a los artistas les gusta centrarse en los desastres. Que se
deleitan en las malas noticias. Y que son moralistas ingenuos que no
comprenden las leyes de hierro de la historia. Y (no te rías) del progreso.
¬¿Cómo cuáles?
¬Bien. El porqué tienen que hacer eso. La gente que todo lo domina. Por qué
tienen que destruir el desierto. Y, a veces, las ciudades y los pueblos. Lo
que me mostraste en las fotos.
¬¿Por qué, entonces? Dímelo tú.
¬Porque tenemos enemigos. Enemigos malévolos. Hemos de estar preparados.
Tenemos que defendernos. Tenemos que ir allá y detenerlos antes de que sean
lo bastante fuertes para hacernos algo.
¬¡Loro!
¬Oye, no todos somos pájaros aquí.
¬¿De verdad te crees lo que acabas de decir?
¬Mira, estoy pensando en lo que me comentas. Es una pena, en verdad. Las
marismas se convirtieron en desierto. El desierto profanado. Y lo que le
sucedió a los animales. Y a la agente y a lo demás. Pero hay muchas otras
consideraciones, políticas, económicas, científicas, que no comprenderías.
Eres un vagabundo. Eres un artista.
¬Es cierto. No tengo ataduras. Como un pájaro.
¬Digamos.
¬Veo que has conocido a muchos artistas.
¬Si te he ofendido, lo lamento.
¬¡Dios mío, dame fuerzas! ¡Estos ilusos tan...!
¬A mí no me graznes. Yo no fui. Yo no devasté el desierto. No maté a los
animales. Ni masacré a los conscriptos. No prendí fuego a la biblioteca ni
saqueé el museo de antigüedades.
¬¿Sabías que durante la primera guerra del Golfo se mostraban películas
pornográficas a los pilotos justo antes de que los enviaran a sus misiones
de bombardeo?
¬Pilotos de Estados Unidos.
¬Así es.
¬Oye, ésa ha sido práctica en más guerras coloniales norteamericanas que
las que puedo contar. Pero los estadunidenses no inventaron el vínculo
entre la testosterona y el placer de dar muerte, sobre todo de dar muerte
desde lo alto de los cielos a gente indefensa en tierra, del mismo modo que
es el único país que envenena su propio territorio.
¬¿Qué quieres decir?
¬Que todos hacen lo mismo en cuanto se les presenta la oportunidad. Así
pues, ¿por qué te metes con Estados Unidos?
¬Supongo que porque soy un artista estadunidense.
¬¿Estás poniéndote sarcástico?
¬¿Yo?
¬Sí, tú.
¬Hasta pronto, yo me largo al desierto de la alegría.
¬Sabes, antes de que te marches, debes reconocer que la naturaleza es
violencia.
¬Y la naturaleza humana.
¬Sí. Aunque no todos se comportan tan mal como la gente puede llegar a
comportarse.
¬Como si fuera perenne. Eso está sucediendo ahora mismo.
¬Pues yo no soy una de las perpetradoras. La gente que de hecho hace esto
ni siquiera hablaría con una criatura como tú. La gente que hace esto sólo
alzaría una arma y te borraría de los cielos.
Se escucha un aletear de alas.
¬¡Oye! ¡No te vayas! ¡No soy una de los dirigentes del planeta! ¡Soy una
pobre criatura como tú! No te... vayas.
...
Aquí estoy de vuelta.
Silencio.
¬¿Hola?
¬Creí que no ibas a volver.
¬Ay, soy un pájaro persistente.
¬¡Sin duda alguna! Pero, en serio, te admiro porque no te has dado por vencido.
¬Pensé que si seguía cantando, lo comprendería finalmente.
¬Pues sí, la tenacidad es una de las virtudes. Y las fotos son
inolvidables. He de reconocerlo. Tus paisajes de catástrofe.
¬Pero te gustaría olvidar lo que te he mostrado, ¿no es así?
¬Claro que sí. ¿Quién quiere sentirse más desamparado?
¬Pero no lo olvidarás.
¬Aunque me quedara ciega no podría olvidar esas fotos.
¬Es curioso que menciones la ceguera. Pues ése era el tema de la homilía
que tenía intención de pronunciar. ¿Lista para la homilía?
¬Dispara.
¬Dios mío.
¬Vamos, es una broma.
¬No hay bromas.
¬Tienes que tener sentido del humor. Para sobrevivir.
Silencio.
¬Vale, pues.
Silencio.
¬En serio, estoy escuchando.
¬Mi homilía. Acaso lo sepas o no, pero hay dos clases de ceguera. La
retiniana, que causa deterioro ocular, y la cortical, que resulta de una
lesión en el cerebro y deja los ojos intactos.
¬Qué interesante.
¬El punto es que la gente con ceguera cortical ve, en algún sentido, es
decir, recibe impresiones visuales en la conciencia. Pero se considera
ciega porque esas impresiones no pasan a la plaza más pequeña de la
conciencia. Esto ha sido demostrado en un experimento reciente.
¬Me gustan los experimentos.
¬Sí, ya lo sé. Bien, en todo caso, imagina una persona con ceguera cortical
en un lado, por ejemplo, digamos, el derecho. La sientas a la mesa. Giras
su cabeza a la izquierda. Colocas unos objetos, digamos, una taza de café y
un candelabro, en la mesa, a la derecha. Si preguntas. "¿Qué ves en el lado
derecho de la mesa?" La respuesta es: "Nada. Ya sabes que estoy ciego de
ese lado". Pero si replicas: "Sí, es cierto, no puedes ver de ese lado,
estás ciego. Pero supongamos que pudieras ver, imagina que puedes ver.
¿Dónde crees que están los objetos en la mesa?". Y entonces, oh milagro,
apenas dudándolo, la persona ciega extiende el brazo, abre la mano un poco
en busca del candelabro, y la abre más para la taza.
¬¡Vaya! ¿En verdad?
¬Sí. Pero ésta es una historia. Me pediste un cuento. Esta es una parábola.
¬¿Y cuyo sentido es...?
¬Que lo mismo sucede con nuestras acciones. De igual modo que sabemos mucho
más de lo que nos damos cuenta, podemos hacer mucho más de lo que nos
creemos capaces. Formula la pregunta directamente: ¿Qué podemos hacer para
evitar la destrucción del planeta y la creciente ola de violencia humana?
La respuesta tiene que ser: Nada. ¿Los seres humanos contra los animales,
los hombres contra las mujeres, la historia contra la naturaleza? Nada.
Pero qué sucede si decimos: De acuerdo, no puede evitarse. Sin embargo, si
imaginamos, sólo como hipótesis, aunque desde luego es imposible...
¬Ya veo ¬dijo la descendiente de Noé.
¬Sí ¬respondió el pájaro¬. Otro marco para la voluntad. Porque está tan
claro como el día y la noche: los bosques están siendo arrasados; las
aguas, envenenadas; el aire se está oscureciendo y volviendo tóxico. Y los
gobiernos presuntuosos continúan proyectando su poder con éxito: para
conmocionar y asombrar, masacrar, explotar y despojar. Es cierto, no se
puede salvar al mundo. Pero, ¿si actuamos de todos modos como si pudiera
salvarse? Pues entonces...
¬Ya veo ¬repitió la descendiente de Noé.
¬Sí ¬dijo el pájaro agorero, algo más animado¬. Casi es posible que se
pueda salvar el mundo.

Ravel, Sonatine III (com Debussy e Heidegger dentro)

agora o lugar é uma
delicadeza

(acompanha o movimento)
um rosto que surge

entre o odor
e a doçura

um olhar com o sol
bordado
por cima do peso
da cinza

a pálpebra bordada
no interior do dedal


tudo o que é

uma delizadeza
maior do que o mundo

uma voz

(ulterior)

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Ravel, Sonatine II

quando a sombra
dos teus dedos passava
através das teclas do piano

eu respirava os estilhaços
à flor da água

e dizia não posso

respirar mais fundo
com a sombra do lírio à tangente
da unha

Ravel, Sonatine I

são de seda
as mãos
que tocam na veia
que tocam nas mãos

respiram o sopro
que atravessa a vindima
das imagens

toda esta delicadeza
é também um modo de renunciar
à beleza em proveito do silêncio

domingo, 18 de janeiro de 2009

ravel, quarteto de cordas III

é no princípio que o fim
tem todo o seu começo

clave após clave, o sol
radiante sob a primavera
dos dedos

e a erva que cresce no espaço
que medeia
a sombra dos pianos
semeados na planície
circundada pelos laranjais de maio

depois vem o verão,
e os cravos são lentíssimos
anjos despenhados nas crateras do vento, clareiras

é nas tardes quentes que melhor
leio tudo o que não se pode ler
com a flor da laranjeira junto aos lábios
e a pele toda erguida na melodia do ar, lá
onde os violinos fecundam os cardos

lá onde o poema é só eu
e toda a melancolia das árvores

ravel, quarteto de cordas II

um corpo que se dirige, fulminante,
sem membros,
para o branco

entre o estertor de um gesto
outra rosa subitamente se levanta
pousada sobre o ombro
e expe-
lida pelo movimento

o que o verbo confirma

depois é a inanidade da mão,
a leveza que insufla nas coisas
até tudo ser lume

rosa arqueada entre os pregos
cravados dentro do mármore

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

ravel, quarteto de cordas I

o som fulge e refulge a exactidão
do gesto acompanha
o movimento do sangue nas
veias do pescoço

é um corpo tão verdadeiro
que é como se não existisse

e é estranho como algo
tão preciso
possa ser a origem

de tanta dúvida
a areia na boca à medida
que o vento fustiga a praia
diante dos olhos

uma imensa imagem interior


resta-me o dom da paráfrase

tecer o comentário que reproduz
tudo o que nunca aconteceu

é como se inventasse por música
a cintilação da pele dentro da noite,
e fosse depois todo
o extremo rigor dos gestos
acompanhando a melodia

e visse lá altas, redondas, precisas
todas as constelações siderais
entranhadas no odor a lavanda e urze
do meu sangue
exposto a toda a erosão gramatical

é como se fosse de âmbar ou sal quando digo
mar ou poema

diálogo

eu é quem o silêncio (me) diz

uma voz que me me chama
sem nada dizer

escuto então o eco nos corredores
de água, e imagino depois

casas às quais somente se chega
após a travessia do labirinto

o abismo que engendra o céu
por de baixo da pálpebra

ainda antes de o verso
ser escrito

vejo o plasma estremecer no engenho
pressinto

a amêndoa de âmbar dos olhos

e sei
uma voz que não pode nunca
dizer o seu lugar
sem que o silêncio (me) tenha já
dito o seu nome

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

viva a irlanda II , Turkish Song of The Damne,

I come old friend from hell tonight
Across the rotting sea
Nor the nails of the cross
Nor the blood of christ
Can bring you help this eve
The dead have come to claim a debt from thee
They stand outside your door
Four score and three

Did you keep a watch for the dead mans wind
Did you see the woman with the comb in her hand
Wailing away on the wall on the strand
As you danced to the turkish song of the damned

You remember when the ship went down
You left me on the deck
The captains corpse jumped up
And threw his arms around my neck
For all these years Ive had him on my back
This debt cannot be paid with all your jack

And as I sit and talk to you I see your face go white
This shadow hanging over me
Is no trick of the light
The spectre on my back will soon be free
The dead have come to claim a debt from thee

Viva a Irlanda (The Pogues)!

Thousands are sailing

The island it is silent now
But the ghosts still haunt the waves
And the torch lights up a famished man
Who fortune could not save

Did you work upon the railroad
Did you rid the streets of crime
Were your dollars from the white house
Were they from the five and dime

Did the old songs taunt or cheer you
And did they still make you cry
Did you count the months and years
Or did your teardrops quickly dry

Ah, no, says he, twas not to be
On a coffin ship I came here
And I never even got so far
That they could change my name

Thousands are sailing
Across the western ocean
To a land of opportunity
That some of them will never see
Fortune prevailing
Across the western ocean
Their bellies full
Their spirits free
Theyll break the chains of poverty
And theyll dance

In manhattans desert twilight
In the death of afternoon
We stepped hand in hand on broadway
Like the first man on the moon

And the blackbird broke the silence
As you whistled it so sweet
And in brendan behans footsteps
I danced up and down the street

Then we said goodnight to broadway
Giving it our best regards
Tipped our hats to mister cohen
Dear old times squares favorite bard

Then we raised a glass to jfk
And a dozen more besides
When I got back to my empty room
I suppose I must have cried

Thousands are sailing
Again across the ocean
Where the hand of opportunity
Draws tickets in a lottery
Postcards were mailing
Of sky-blue skies and oceans
From rooms the daylight never sees
Where lights dont glow on christmas trees
But we dance to the music
And we dance

Thousands are sailing
Across the western ocean
Where the hand of opportunity
Draws tickets in a lottery
Where eer we go, we celebrate
The land that makes us refugees
From fear of priests with empty plates
From guilt and weeping effigies
And we dance

de novo a ouvir Schubert

depois de a chuva
haver lavrado todo o céu


bem por de

baixo

sob a sombra do pó

sujeito

ao desalento
de toda a esperança

o que me resta do mundo

é falar a língua de sófocles
com um seixo incendiário

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

O Inominável

“Tenho de continuar, não posso continuar, vou continuar.”

Samuel Beckett

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

(faz hoje uma semana que desapareceu o meu cão de 14 anos: WW!!!!)

canto a tua cor de urze
no verão

cinza no vento


canto a atenção dos olhos


canto uma fidelidade mais

alta que o mundo

(canto uma voz que acaba
sempre antes de começar)

soubesse eu cantar a melodia
dos sepulcros

dedais atravessados

pelas entrelinhas da vida, e

o silêncio seria todo


o ponto de partida do meu canto

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

enquanto releio Beckett- O Inominável (com citação de Molloy)

(troco as palavras
de posição
na frase
como se trocasse pedras e saliva
nos bolsos
sobretudo), e

mais branca que a cal

a chávena sobre o tampo da mesa

com toda a imprecisão do mundo
desenho-lhe o contorno

entre linhas
fica

tudo o que está entre o dito
e o inominável