quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Fragmento da Oitava Elegia de Duíno

«Com todos os olhos vê a criatura
o Aberto. Só os nossos olhos estão
como invertidos e de todo postos à volta dela
como armadilhas, em círculo à volta da sua saída livre.
O que está lá fora, só o sabemos da face
do animal; pois já a criança pequena
nós a voltamos e a obrigamos a olhar para trás
para o mundo das formas, não para o Aberto, que
é tão profundo na face do animal. Livre da morte.
A ela só nós a vemos; o animal livre
tem sempre atrás de si o seu declínio
e Deus ante si, e quando se move, move-se
em Eternidade, como as fontes correm.
Nós nunca temos, nem um único dia,
o puro espaço entre nós, para o qual as flores se abrem infinitamente. É sempre mundo
e nunca nenhures sem não: o puro,
o não-vigiado espaço que a gente respira e
sabe infinito e não cobiça. Em criança
perde-se uma criança dentro dele no silêncio e é
sacudida. Ou outra morre e é-o.
Pois perto da morte já não se vê a morte
e olha-se fixamente lá para fora, talvez com um grande
olhar de bicho.»


(Rainer Maria Rilke;fragmento da oitava Elegia de Duíno, trad. Paulo Quintela)

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