terça-feira, 11 de dezembro de 2012


it is xmas!
des riçures

como o meu país ajoelhado e sem sono


I
fronteira

1
dos mortos
sobre a fronteira deposito o meu fruto
a minha pedra de silêncio
entre dedo e memória

(sei que alteráveis só os limiares)

sei que é nos teus olhos que o mar tem
a sua porta de safira os seus degraus
de silêncio negro
e a lava afundada no rosto pretérito das pedras sei

como emérito sei o som sobe
depois do tornozelo ao ventre mercê

(queria dizer à vulva -e -
que nenhum sebastiao ha-de vir nem em
dia de ne-
voeiro
mas deixemos as ironias de fora)

do mármore ouvido ao centro

do tímpano a mão colhe depois
o cereal moído a dor
                             do silo
aberto à dor
maturada nos odres do verão

como o meu país ajoelhado e sem sono
sou a areia fina do pulso

digo como todo o nascimento é imperfeito
digo sempre a terceira infância do meu sangue

sei a voz ouve isso e da voz ouço
o centro da mão respirada o rumor
dos muros o rosto aceso ao centro
da casa dentro da água aberta
meu é apenas depois o rosto os olhos dos irmãos
da hulha e do proveito do proveito
do proveito colhido em silos

meu ardor murado seda cerrada letra aberta

sobre a fronteira deposito a parte mais negra dos nomes
e dentro dos silos do verão minha
é a parte do sono mais escondida dos olhos de deus como
meu o movimento da seiva por dentro da melancolia
minha a mão assim tão ladeada (de nada) pela morte
das colheitas em chamas pela a morte
da seiva nos trilhos da luz
tua a morte da luz dentro do sangue

e materno da pedra meu é o texto assim
fundado a prumo e os membros adscritos
(minha é a crueldade
de todas as metáforas)
ao movimento do sangue em torno
de duas paredes de sal o céu negro
e por baixo o movimento que incide nos nomes por dentro de onde

eu digo

um rosto é a raiz estancada do odor
por dentro do sangue é o odor submerso
e dos nomes a linha tensa do teu gesto
desenhando sobre os meus

olhos e entre as árvores em chamas por baixo
a lacre e veneno
o peso do mármore desenhando o rosto dos mortos
desenhando dentro dos nomes o texto o sangue
ateado na largura das casas em silos dizendo como eu colho

o meu fruto é (por) dentro dos olhos
dos mortos que sinto tudo e sei

sou eu os olhos dos cegos sobre os mapas
como a agulha negra por dentro da carne por dentro
do nome eu seu como

sou irmão da plaina da uva acesa
nas ladeiras sou o filho do sol
inclinado nas planícies
e a lentíssima justiça dos incêndios
ou o grande tímpano das catedrais aberto
à infâmia e ao vexame sou a boca
de um deus sem gestos sou

a imobilidade do sangue
dentro da madeira o olhar dos surdos ouvindo
sobre a página sou

todo o gesto que desloca
o mundo de lugar
 sou o rosto dos irmãos
                 
                  dentro das casas
                  eu faço o que os homens fazem
do rosto dos filhos
                  
                  dentro das casas

os nomes dizem o rosto o coração
mal wieder verloren e por dentro eu digo a pedra lavrada
nas ladeiras a verdade
                 eu digo
a mão lavra por cima
da sombra o rosto

dos filhos a mão aplaina

a água por dentro a mão escolhe a mão que a escolhe

o proveito a palavra dita em silos
em túneis

a mão corrompe
a imagem a ausência dita no coração o nome diz o lugar
atravessado pelo sangue pelo sal a água diz o começo
por onde as paisagens atravessam
os nomes e são depois uma delicadeza os mortos
eu vejo-lhes os rostos vermelhos entre
a água e o calor eu vejo como o nome atravessa
os séculos para ser uma pequena coisa acesa
nas mãos para ser o (tal) gesto tão secular de aplainar água

o debruçado gesto
de conhecer os corpos o nome
de atravessar e de ir por dentro
por onde a plaina do sol circunscreve os pomares

porque é um milagre a luz o texto porque
faz o nome o gesto feito o gesto que selecciona
o proveito e o pavor a viagem

porque

entre pupila e pele a cegueira sempre foi um modo de ver
um modo de desistir de ganhar as colheitas em silos
um modo de dividir a água em ilhas

de som

um modo de dizer os nomes dos mortos

por que

dos seus olhos amo como se faz neles noite o modo como dizem
o som que fazem quando nas casas
acordam os filhos no peito quando dizem
nas ladeiras expostas à inclemência
da luz quando dizem a inocência por cima
da sombra quando dizem
o que o deus diria o nome que selecciona
por dentro do sangue uma coisa vertical
uma estancada coisa que atravessa os nomes quando dizem

quando dizem a voz que diz a voz

o sangue fundo ladeado
quando dizem pelo nome que ladeia ouvindo
a lentíssima floração dos campos de dizer deles que são
a profusão do sabor dos nomes

de dizer deles
a profusão do sabor dos nomes de dizer

deles o que a voz diz para o nome
o proveito colhido em meio das eiras o fruto colhido sempre
no leito das imagens o nome sempre intempestivo
a fome que cresce por dentro da terra
quando dizemos o nome que tem de ser dito
aquele das colheitas vertical dentro
do som ladeado rente ao sangue pela raiz
do rosto do rosto do rosto
no interior das casas mudando a feição dos filhos
que repetem o modo como a água entra
por séculos e séculos na pedra pelo coração

dos mortos dizem que repetem
que atravessam a terra aberta e permanecem

(quando dizem que são sós como uma melodia
ou uma paisagem sem lábios)

erguidos sobre as plainas prontos para a faina
e para o proveito prontos para o levíssimo estremecimento
do sangue nos aquíferos nos ataúdes submersos entre
as raízes das casas prontos para o florescimento
dentro do mármore erguidos semeados
no pó gerados pela inocência escarlate
pelo sangue pela terra sem nome
a ser o sol movimentando a linfa nos cestos

e os nomes desses filhos
erguidos do pó ditos como se fossem
nas eiras em silos trespassados
pela força única das paisagens trespassados
pelo mundo sem nome pelo mundo sem ordem pelo
crime sem dom pela letra

sem origem ditos dentro do calor sem margem
no arco dos portais que o suor dos guerreiros abriu
que perante a invocação dos salmos permaneceram
fechados selados a pulso e lacre

porque

o sabor o sal esse sempre
foi coisa antiga sempre foi

o que os que se amam fazem dentro das casas o destino

sem proveito é isso também que a mão faz quando toca nas coisas
mexe no/em deus por dentro e faz o modo
como se altera o rosto de uma mulher que ama
como o daquela que toco aquela com quem
partilho as sementes sob o aguaceiro aquela que me dá
depois o lacre a cânfora o lençol onde germina a água
se lhe toco com o dedo sobrenatural que toca
a água
e que mexe por dentro do texto como se fosse
deus no início como se os portões nunca
se houvessem fechado como se os frutos não soubessem
que também lentamente o rosto dos filhos
envelhece sem idade como se meu fosse

o nome que se dá a tudo
a lacre e letra e cânfora lenta selando tudo com a voz
adagado pela cintura em pátios em lugares
de rios atravessado tão-só de respirar nas planícies
a letra aberta a palavra que abre as casas à conjuração
dos nomes e à sentença

da saudade à coragem da distância

como se vivesses quando deposito a água de novo
dividida em ilhas de som na lavoura
por debaixo das casas como por dentro
do fogo o sangue atravessando pilares
erguidos por cima do chão sob onde
os mortos falam o nome
de que o sangue abdica porque dentro
do sangue a cegueira lunar
do sal a cal faz depois as paisagens
como se não houvesse nada por detrás do mundo como se
a cegueira fosse a neve
tão fria entre os dedos

e o nome fosse
o sal que purifica o caminho aquele gesto
de circunscrever as casas como as florestas
circunscrevem o fogo porque dentro das casas
o sal purifica o odor em redor do peito porque tenho
estas duas mãos que traçam
a altura dos dilúvios que
desenham depois sobre a seda o lastro do som
estas que nas clareiras entendem o fio-de-prumo
em redor do texto estas que conhecem os homens
estas que conhecem dos homens o nome mais oculto
estas que nunca podem tocar o sal
e o mundo

porque depois sepultados nas salinas os mortos
sorriem melhor e eu vou por dentro
do seu arbusto de safira da pele lenta
colho os sinais não-hermenêuticos depois
ouço a água correr sobre a pálpebra e é com se
me acendessem as mãos no coração é como se
dissessem candeias séculos soterrados
nas praças dentro do mármore e eu ouvisse
tudo o que não se pode ouvir é como se eu ouvisse
as imagens a inocência o fogo o mundo trasladado de lugar
toda a ausência que entra funda nas coisas

de se querer como um morto dizer tudo o que os nomes
dizem só para si mesmos

ou o que os homens fazem nas casas
rodeadas coisas lentas abruptas coisas por dentro onde
o odor no interior cresce do mel
por dentro de onde o som é mais lento
rente à pele onde na ampola das mãos as mulheres
fazem o elogio à violência à cor escarlate do coração
das crianças que ainda não aprenderam os nomes
que ainda não sabem que é dentro das casas
como se fosse nos nomes
que os homens constroem os lugares que medem
a altura cardíaca da água que sentem
na seda o amor que são adagados pela cintura e sonham
as viagens mais loucas países só conhecidos por odor e nome
países construídos dentro da pedra países
da cor púrpura dos olhos

dos profetas porque desses digo a pureza e o descalabro
o vexame de ter como eu

entre duas mãos tenho o sal e mundo

por que

em odres em silos guardo o que soçobra de uma criança
que aprendeu dos nomes tão-só
um levíssimo odor de olhos em delírio
que por letra e imagem vêem sem lugar no mundo por exemplo
os olhos de penélope
aquela a quem toco nos joelhos que beijo aquela
por que vou por dentro da pedra por dentro do sal

rumo a um entendimento estritamente mineral

do mundo

amo só (como quem ama) o gesto
o gesto que aplaina o som que encontra
a água dentro da pedra
aquele que te toca a madeixa semi-rubra vermelha
ao centro do dia no centro da saia
aquele que acorda os mortos do seu sono
dentro dos odres de sal aquele que repete
os nomes como se fossem uma coisa
pura de dizer no poema aquela mão que te põe vermelha
dentro da noite como se não tivesses nome

como se não tivesse nome o gesto
de te tocar durante séculos e séculos

o nome de areia de toda a tua pele o nome
e a lentíssima pedra de prata
dos teus olhos sou nada mais que um lugar que beija os teus joelhos
Pergunto-me se a Constituição Portuguesa, a de 1976, que penso ser a que està em vigor(mas talvez não, bem vistas as coisas...) serà tão velha quanto D. Afonso Henriques, a ponto de ninguém se lembrar deste pequeno-grande artigo 45, e cito: «Os cidadãos têm o direito de se reunir, pacificamente e sem armas, mesmo em lugares abertos ao público, sem necessidade de qualquer autorização». sao assaz interessantes, logicamente, as implicações que existem entre a recente proibição do direito à manifestação e os sintagmas que este artigo contém. um dia destes falar de poemas vai mesmo ser um crime. P.S. uma pedra nao é uma arma, ja uma cançao...

domingo, 14 de fevereiro de 2010

diante do mar

diante do mar

antevejo as planícies místicas de outubro,
quando o vento trás o travo das gaivotas
à boca semeada das papoilas da primavera

é verdade, há um caminho secreto que conduz,
através dos verdes campos de maio,
à casa que, regada do incêndio do verão
mostra em outubro que, depois da bucólica infância
das imagens, vem sempre o espaço do poema:


o olhar que distende o movimento da mão conduz
à casa a casa a casa a casa
a conciliação dos trabalhos da mão
com o perfume do silêncio


então, antevejo:
o poema é a mão que corrige o olho,
que antecipa a eternidade

sou o caminho dessa mão
que antevê o cálculo
do marinheiro que manobra
o astrolábio da canção

essa mão é todo o corpo do poema

a mão que distende o travo das manhãs pela paisagem
e mantém sempre todo o silêncio junto ao peito,

a mão que escreve as marés as marés as marés
e trás a lua a lua a lua para o olho,
e trás a lua condenada pela carne e pelo sal
à degustação das parábolas


entretanto,
o gosto progride, como um segredo

a mão promove uma lenta infância que se alarga,
um caminho através do poema, que
não teme a derrocada das casas, que
promove o anseio salubre que
as planícies infundem no rosto da criança
adormecida

sabe-se que
diante do mar, todos os caminhos levam ao silêncio

sábado, 12 de dezembro de 2009

campânulas


I
campânulas de vidro desenhado
sobre o vidro, de vidro

as mãos de vidro

e a infância,

(dentro das casas
de vidro os meus lábios)

o vento norte entre
a espada e a parede

e a mão entre a lavra da cal
e a doçura do silêncio

e, de vidro a boca pouca louca
para tanta água

de vidro sempre
a veia a pretexto do sangue/
do texto

o palimpsesto das mãos
enredadas no odor

no poema, isto é
, a pele à tangente do perfume
e os lábios postos
sobre, muros, a letra a lâmina

tão precisas na melodia

a voz tangida no leito da pedra

de vidro
o poeta, isto é

, ser um rio
e ver tudo a partir
do interior do sangue

e também depois o gesto de acompanhar as sebes
à transparência de um eco

hermes olhando os quintais
hermes caído sobre olhos de barro dos animais

todo o rubro desaire do epifonema, a canção


a boca sempre tão próxima do silêncio

(o lábio dedilhado o cume dos ulmeiros
em noites)


II
campânulas, os poemas, lentíssimas casas de ar
essa mínima raiz do inverno

transparente ciência infusa,
o gesto puro e simples de tocar
alguém com um nome, assim

e brilha também ao alto
o sangue a linfa a lava

nos coágulos silábicos do texto

enquanto na extremidade mais porosa da memória
um anjo estremece dentro da madeira

uma ave-campânula semeada em chão de página


é este todo o acto que obsidia, o acto
de circunscrever odores a precisão melódica

toda a sintaxe erguida
a partir

do mármore, do sal, da prata


ciência sonora do sangue

o fundo poder de adivinhar e dizer
por palavra

o eco dos olhos na pureza do leito

e gesto de respirar a prumo
o aprumo
dos nomes

quero as suas vogais de silêncio

o modo como são de vidro
quando tocados,

(como os teus lábios,- agora)

III
campânulas,
os nomes
o som que fazem,-
a face que dão

e como me comovem os dedos-

ao passar por elas adentro
todo o rumor do mundo, todo o mundo omisso
entre a lavrada terra funda
e a infundida leveza do verso,-pele a pele-

os nomes o oculto labor de adivinhar
por gesto

o oculto gesto de escrever
o eco dos olhos sobre o vidro

e, de vidro, depois, de vidro a música; / duvido
de vidro, duvido
que haja outra forma de cantar
senão com a mão funda dentro
do sangue
e o astro-lábio habilitado
à síncope melódica

não há outra forma

senão (com) a mão

lavrando campânulas sobre
o vidro eléctrico


IV
os (pro)nomes agora
como (?)

espelhos olhando espelhos
olhados olhos olhados a partir
do omisso centro das imagens

(porque) é uma confiança cega, o ritmo, o coração

é assim que se perde finalmente um rosto


e diz-se "a mão na pena vale a mão na charrua"

e senta-se (-se) assim, levíssimo, feito tão-só de ar,
num verão de amoreiras em torno do pensamento

(os pronomes, também o gesto
de te dar os meus lábios à distância
de um eco)

o gesto de te dar um nome sem nome

(o gesto de te dar o nome com te olho)

V

são gestos as palavras
(e como eu amo esses rostos de estanho)

os nomes, por eles

convoca-se incêndios em celeiros de amor
porque tudo é sempre devido àquele
que conheceu o mundo
e entrou solícito no leito do perfume

os nomes
escreve-se o leito do odor o peso da mão
o eco do rosto contíguo a muros
escreve-se e não se lamenta nenhum espelho

os nomes
atravessa-se sempre a água só de a respirar

e pensa-se em campânulas com o sangue do avesso


"do mundo", pensa-se em árvores semeadas
sobre a lavra do pó

pensa-se em poemas, em anjos cor de cedro
estremecendo, e acredita-se (sabe-se)
que tudo está sempre por fazer

acredita-se no puro movimento das palavras,
como se

incêndios de aves rodeassem

in-ter-mi-ten-te-mente
o tímpano


e, mente o tímpano que ouve a/à distância

"todo o anjo é terrível"

a mão no perímetro órfico

os nomes: todo o amor por fazer

e descobre-se subitamente que é preciso tão-só
plantar as coisas no vento: campânulas

para que o pássaro de boca do poema
possa sempre acompanhar a mão, os lábios
rumo à cega floração do sal

é no centro da mão que vejo nos nomes

a cegueira começando a florescer,
(mas não hermeneuicamente)


VI
campânulas os poemas assim escritos
no contágio de
lume ave âmbar ar
o movimento da boca nos nomes
o sucinto peso lúbrico

e depois o seráfico olhar dos nomes,
como se não fossem já

a boca já antes do gesto dentro
do leito da pedra

e, de vento os poemas: som, som, som
som, habilitado à travessia do odor


sim, corpos, gestos: o odor deslocado no sopro

mãos depois, mãos: o odor colhido nos leitos

sim, o poema começa sempre pela
abdicação dos olhos

vidro escrito sobre vidro,escrito
apesar de tudo e de nada

"no mundo"


VII
começa-se sempre por querer
sem saber

eco e narciso ( é a única verdadeira
história de amor)

(peito repetindo as ondas do mar)

o impossível

as mãos aflitas
sobre a roupa
(des)atentas ao perfume

a semente desatada no gesto de te tocar os olhos
por detrás do vidro
(os teus, que são tão belos)

e no poema, a louca lunação dos nomes
a boca sempre debruçada sobre o aroma

nunca houve outra forma
de escalar a infância
senão pelo som

(a forma como o ar oferece o seu corpo
hoc est enim corpus meum)

nunca houve outra palavra.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

orfeu é o rosto

orfeu é o rosto do poema, que
lentamente se aproxima do negrume

(porque) há uma treva que fulgura
entre as palavras

ícaro alça o braço, e toca as estrelas,
esse metal fundente do olhar
disposto sobre o domínio erótico da mão

o poema é,

para que se opere a combustão do olhar
na carne,

o poema é,

para que se abra um rosto
no fulcro da visão,

porém, na verdade, um rosto é impensável,
e o poema não pode olhar para trás,
incêndios ladeiam cada braço

não há quem possa existir num poema,
ele é sempre o corpo imponderável,
a distância entre a queda de orfeu
e o voo de ícaro sobre o cume das sombras
em combustão,

ele é o rosto unânime do flagelo,
e é eurídice envolta pela seda ardente
do coração, e é o verbo sempre oculto pelo que revela

e, é este texto que é luciferino, que é o rosto velado
da esfinge, o rosto que incessantemente
se aproxima do negrume sem nunca se afastar
do dia

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

ouço apenas a voz que a tudo se refere
sem nada dizer
sem título I

da cólera nunca se fez canção. coda:
as mulheres robustecem-se no talento
que as faz arborizarem-se - o sangue aprende a cantar, fortalece-se
no júbilo da canção -, e tornam-se
de mármore, aprendem a fabricar metais, entusiasmam-se
na destilação dos mistérios, enlouquecem
a partir da cintura, se pisam as pedras quentes com os pés nus, -
o sangue é conduzido para as arcas dos sótãos,
e o corpo, deixasse-o, como se abandona uma casa vazia -,

e o homem, cansado de polir a madrepérola,
pára, e dedica-se ao fabrico de pequenos cestos de vime,
para que o sangue cicatrize (até) nos espaços mais recônditos da memória, -
essa arte de coar água turva e cair a prumo -,
que é sempre em maio que, às mulheres, lhes desagua
a violeta no pulso, enquanto salgam o sangue, e se sagram
ao talento de emudecer lentamente:
sabe, aprendiz sombrio, que
a doença florirá sempre no negrume da mão fechada

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

poema

colho a flor (d)o enigma (d)a brancura
depuro a palavra o rosto

entregue à vertigem do chão

cinjo o som em torno da veia
cingida pelo movimento

sei que os olhos, que o sangue
sei que respiram
a prumo toda a vertigem do gosto

semeio depois a cegueira nas eiras solares
onde as mãos se entregam ao martírio
das sombras, e espero
com o céu sob o pé e as raízes do sangue
no ventre em flor

espero com a cal como irmã

(espero o mundo
sempre no centro do movimento),

o céu é sempre raso
em redor da córnea


da carne
aplainada


nos silos do verão

provo o lume, sinto o aroma
é meu o centro aceso da semente

semear depois: uma arte de perder
o rumo no centro das chamas

as mãos na vidência do espaço
desenham a penumbra

em torno da imortalidade da pele

o olhar como um lugar imóvel
poema de amor
1
se, agora, as ninfas se calam,
e amam, inclinadas no meu sono,
as naus que partem, vertiginosamente,
a tua queda é a minha queda;

se o som é labirinto,
a mão atravessará os espelhos
para colher a flor da cinza
no centro do tímpano

se o anjo é labirinto (hermenêutico),
se trás sempre à tangente da fronte
a ferida aberta do nome, há-de
haver alguém que profira
o verbo certo, e eco de uma sombra
nos silos ao centro do verão

2
sei, ícaro caiu também
com eurídice funda no coração;

então, digo-te:
não caias, que, se cais, eu terei de ficar cego
de excesso de sombra junto ao peito –
terei de percorrer os labirintos cingido pelo lume
em torno do olho e pela risca do sal
em redor do lábio

3
mas, porquê, pergunto-te a ti,
que não ouves o levíssimo
silêncio do anjo, porquê
calar as ninfas, e amar o mar?
porquê, ao escrever o poema entrar
no labirinto das cearas submersas
da lava em plena floração?

porquê o coração avaro, a casa vazia,
as manhãs gastas?

porquê a brancura e o cavalo alado,
e os olhos revirados, e a boca cheia
de sal ou algas?

porquê os ornamentos, o estilo, a figura,
se as casas se abrem
gratuitamente à desmesura dos vendavais
polindo os lábios das ninfas sentadas nos quintais em flor?
porquê a queda num sono raso em torno dos ombros,
e porquê sempre a melodia do silêncio estremecendo
nos recessos sombrios?

porquê o magma pelo peito?
porquê o plasma circunscrito por um meridiano de cal?
porquê a queda dos líquidos,
se as córneas apontam as constelações róseas –
o deus aberto perante a visão –
e o pequeníssimo céu que se retém debaixo do pé
ligado às raízes dos minerais?

porquê as rosas e as casas caladas?

porque o labirinto sonoro das raízes
em torno do ventre,
enquanto uma cidade tróia inteira me arde atrás dos olhos
quando me olhas?

4
porque a medusa acordará finalmente do seu sono de vidro
e haverá de devorar o universo inteiro
com o sal das suas córneas
ateadas no fulcro do movimento
de quem escreve e toca
nos lugares que se não podem tocar,
e porque se ninguém cantar a voz sem nome do anjo
restar-nos-á apenas para celebrar,
entre paredes de lume,
uma levíssima flor de cinza

(nunca ouso perguntar ao poema
o que quer e qual o seu nome)

porque a poética funda-se no seu labirinto,
e, porque, sempre,
nas tardes de rimas ancestrais, descobrimos
o incessante horizonte não nomeado
dos meandros da
palavra palavra

quarta-feira, 15 de julho de 2009

A NATUREZA EM ABISMO | Do Abismo Ao Aberto



Quinta-feira 16 JULHO 09 | FBAUL

17H . corredor 1º piso . Instalação
21H45 > 22H45 . cisterna . Performance

_

Faculdade de Belas-Artes
da Universidade de Lisboa

Largo da Academia Nacional de Belas-Artes
1249-058 Lisboa | Portugal