poema de amor
1
se, agora, as ninfas se calam,
e amam, inclinadas no meu sono,
as naus que partem, vertiginosamente,
a tua queda é a minha queda;
se o som é labirinto,
a mão atravessará os espelhos
para colher a flor da cinza
no centro do tímpano
se o anjo é labirinto (hermenêutico),
se trás sempre à tangente da fronte
a ferida aberta do nome, há-de
haver alguém que profira
o verbo certo, e eco de uma sombra
nos silos ao centro do verão
2
sei, ícaro caiu também
com eurídice funda no coração;
então, digo-te:
não caias, que, se cais, eu terei de ficar cego
de excesso de sombra junto ao peito –
terei de percorrer os labirintos cingido pelo lume
em torno do olho e pela risca do sal
em redor do lábio
3
mas, porquê, pergunto-te a ti,
que não ouves o levíssimo
silêncio do anjo, porquê
calar as ninfas, e amar o mar?
porquê, ao escrever o poema entrar
no labirinto das cearas submersas
da lava em plena floração?
porquê o coração avaro, a casa vazia,
as manhãs gastas?
porquê a brancura e o cavalo alado,
e os olhos revirados, e a boca cheia
de sal ou algas?
porquê os ornamentos, o estilo, a figura,
se as casas se abrem
gratuitamente à desmesura dos vendavais
polindo os lábios das ninfas sentadas nos quintais em flor?
porquê a queda num sono raso em torno dos ombros,
e porquê sempre a melodia do silêncio estremecendo
nos recessos sombrios?
porquê o magma pelo peito?
porquê o plasma circunscrito por um meridiano de cal?
porquê a queda dos líquidos,
se as córneas apontam as constelações róseas –
o deus aberto perante a visão –
e o pequeníssimo céu que se retém debaixo do pé
ligado às raízes dos minerais?
porquê as rosas e as casas caladas?
porque o labirinto sonoro das raízes
em torno do ventre,
enquanto uma cidade tróia inteira me arde atrás dos olhos
quando me olhas?
4
porque a medusa acordará finalmente do seu sono de vidro
e haverá de devorar o universo inteiro
com o sal das suas córneas
ateadas no fulcro do movimento
de quem escreve e toca
nos lugares que se não podem tocar,
e porque se ninguém cantar a voz sem nome do anjo
restar-nos-á apenas para celebrar,
entre paredes de lume,
uma levíssima flor de cinza
(nunca ouso perguntar ao poema
o que quer e qual o seu nome)
porque a poética funda-se no seu labirinto,
e, porque, sempre,
nas tardes de rimas ancestrais, descobrimos
o incessante horizonte não nomeado
dos meandros da
palavra palavra
segunda-feira, 26 de outubro de 2009
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