sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

exercício após o pequeno almoço

I
nunca soube o que fazer com um poema

o excesso de sentido mina a pele
por dentro das raízes
atravessando o mármore

é desse não saber que são feitos
os desejos os mortos

os olhos dos vivos

e todas as paisagens sem nome

II
o vocabulário é o sangue
todo desconjuntado
transmutado em objectos,

que não são mais que
ausências viradas do avesso

um sentimento sempre tardio

e escreve-se tantas vezes
para dizer o que se diz

porque não se consegue dizer
o que se diria se se dissesse


III
não há quem escreva sobre o mármore
a sintaxe dos pássaros

quarteto e cordas para o fim dos tempos

e é verdade que entre um poema
e outro poema há

um messias que chega e outro que parte

e a estória é sempre a mesma, há
uma voz que diz «vem», contorna

os espelhos,

desequilibra-te só de respirares


IV
entre os dedos não tenho mais
do que imagens do fim
do mundo

soberbas vertigens minerais

umas poucas greias desgrenhadas
e eólicas medusas tardias

soubesse eu como entrar pedra adentro
para encontrar os meus olhos

e creio que poema saberia o que fazer comigo

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