segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

qual odisseia qual quê?!

XI - metafísica (octógono) ou a vox exangue

1
(depois de tudo dito)
o poema é (um) oráculo.

o branco dobrado
sobre
o branco

o verbo perpendicular à cal
semeada entre os dedos

mas, como escrever o silêncio,
se um nome, uma acção, um olhar, um gesto são paradoxais,
e o ser é a precisa alucinação das imagens imobilizadas
ao alcance da incessante mão elíptica movimentando os lugares?


2
o poema é uma balança. nomeio.
os horizontes caem a prumo.
o ser é vertical.
.teleológico.
cada nome é uma vertigem a prumo
sobre incessantes ilhas de penumbra


3
agora, se peso os sismos das imagens sobre
o espelho da página,

no torno do pulso aberto, de súbito,
a leveza é um acto;

e, se digo poema, é como se regressasse
do travo da argila e da violência do sopro, ou intuísse
o aroma da água inclinada sobre
a córnea obsequiada na exactidão do traço
de uma elipse justamente desenhada através do espaço
da germinação do golpe


4
nomeio. entre a mão e o véu, coloco a espada. nomeio.
o verbo amplia o peso, a duração e a textura
das coisas: o verbo abrange o corpo todo, estremece

toda a casa

é/na a maturação dos tecidos expostos às coisas
vistas todas de novo;

o ser é paradoxo. um gládio erguido entre a sombra e a luz,
enquanto as falanges auscultam as carótidas alteradas
pelos silvos do metal atravessando as paisagens;

e, se a cal germina entre um inominável sono de dedos,

todo o corpo se exercita no prazer de nada tocar


5
devo (re) estabelecer a norma: o poema é uma balança,
o peso, a duração exacta das coisas, a medida certa
da queda, o espaço do sentido, o sentido do espaço;

então, observo a mesa, a cadeira, a porta, a janela,
compreendo a consanguinidade de todas as coisas,
e esboço as relações, os movimentos do corpo –
é a estratégia da aranha (o ser sempre pelo todo) – ,
polindo os minerais para o trabalho de ourives dos dedos
fincados sobre a memória, num raso sono de água;
e é o dedo de alumínio do deus apontado justamente
ao fulcro da têmpora sismológica do perecível amante,
enquanto o sangue estremece no cálice do pulso;

devo estabelecer a norma: tudo é instantâneo,
e escrevo como se fabricasse esferas
para não enlouquecer, como um deus



6
o poema é uma balança, reitera-me uma voz
(que não ouço)

mas, como pesar, por exemplo, o vento, a luz, a sombra,
a dança, o branco, o sangue, uma imagem, ou o olhar parado
diante de uma parede branca?

como nomear, como apontar o dedo justamente,
e sem errar, ao coração imóvel do mundo
e ao inominável coração do poema,
ou ainda, como desenhar as marés
em movimento, através do chão de cal da página?

como nomear a queda de uma ave no calor da tarde
ou o equilíbrio do céu sobre os olhos?



7
restabeleço a norma: sou gládio.

o poeta desfere o golpe. é como conduzir a mão
ao ponto de confluência da correntes marítimas,
é como alargar o corpo – uma evidência –
até à mais completa
indistinção.
é aí, no ponto de contágio da elipse, da figura e da carne,
que o poema pesa a origem de cada verso
e fermenta a germinação do gesto e do som
em perfeita consonância com o movimento,
e prepara também, por fim, o olhar para a floração do abismo
perpendicular ao movimento do verso,
pois um nome é uma vertigem aprumo uma arbitrariedade corporal:

um nome é um acto levado à sua completude,
um gesto colocado diante do equilíbrio do sol;

para nomear é necessário ter um olhar infinito,
e perceber que o poema é o sangue dos objectos,
o premeditado lugar onde se desfere o golpe



8
é preciso saber que um nome é o abismo dos objectos
vistos através do olhar do deus
que abdicou do prazer do sangue,
e que o poema é esse vazio olhar,
o espaço onde o torno da paráfrase cinge a elipse, justamente
no ponto de floração dos cometas dos dedos
e das corolas abertas da cabeça, justamente
no fulcro exacto do movimento,
onde o sentido do verbo coincide com gesto
da mão no cerne mesmo das coisas;

o poema é oráculo,
é a antiquíssima herança das fontes
repartida nas eiras do sol, onde o canto opera os começos
dos rios e das rosas, que crescem para o céu
através do lírico dedal da boca
do cantor

talvez tudo pereça por fim, e o poema se encaminhe
para uma sempre iminente catástrofe de perfumes;
talvez tudo cesse, e as casas possam, finalmente,
enlouquecer melodicamente, atravessadas pelo vento;
e talvez, uma vez finda a sombra que nos circunscreve a boca,
possamos ver finalmente as imagens,
e perceber derradeiramente
que a graça do poema é a contemplação
sem mácula do silêncio, e as paisagens,
pousadas em chão de seda,
sob o equilíbrio do sol

porque, ver é o fuso e o preceito
através do qual o deus inflama
a argila e a alimenta pelos veios das córneas
fendidas no prodígio da imagem, e informa depois
os corpos no ventre dos dedos erguidos à altura
dos olhos, e o mundo erguido à altura do mundo, finalmente

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