terça-feira, 24 de março de 2009

écloga

se no/do leito me vires ausente, se pressentires

a ausência do meu nome, avança

até à varanda azul do fruto, e escolhe

a melhor copa de árvore para a calibração

das minhas veias

se a árvore não entrar imediatamente em flor

e as noites forem sanguinárias,

não desesperes; sabe que também o leite

pode enegrecer e o vento emudecer


aguça o olhar, performa os ritos,

e entrega-te por momentos ao delírio e à volúpia

de todos os presságios; mas, confia no oráculo

das amendoeiras em flor e no pranto crepuscular

das flautas arrebatadas pelos zéfiros

o meu corpo encarnará das tuas pontas dos dedos

perscrutando os espaços (e o meu nome) poro a poro,

e eu far-me-ei de novo

pétala a pétala

emergirei do sossego dos lagos

que olhas nos fins de tarde, ou dos nódulos

da madeira do soalho, onde te deitas

serei o teu leito, e terás de novo

a minha boca

fruto a fruto

findar-se-ão os lutos e agonia das paredes

e não mais terás de amolar facas com o coração,

andar madrugadas à chuva, ou subir às copas das árvores

à procura da minha boca,

poderás de novo atear-me pelos tornozelos, que,

como tu dirias, incendiar-me-ei, e

não mais terás de beber o alcatrão das trovoadas

ou congeminar abcessos nos sonhos, que

serei a presença, a carne ateada do meu nome

até às pontas das falanges dos dedos, que te tocam

com o peso e a massa certa de um coração em flor

poderei perfumar-te de caules

poderás crescer-me em redor da cintura

poderás saber os meu nome veia a veia

e ver-me crescer-te em redor dos ombros

e orquestrar solstícios e equinócios

colcheias de lume e clareiras de pássaro

(eu, que te amo e quero gume a gume)

mulher cujos cabelos

têm o perfume das constelações e o júbilo

das copas em flor: sou o teu corpo verídico;

és a minha aurora de pulso, as

minhas veias todas correctas para

a construção da permanência

não mais atires o coração, aos frutos,

aos rios

2 comentários:

ana salomé disse...

oh, menino, este poema está brilhante. simplesmente brilhante. - estás a usar pronomes de uma forma belíssima -

bjo*

Luís Felício «Brot und Wein» disse...

obrigado!* bem, ao que parece tenho de voltar atrás, ao que considero, de uma certa forma, despojos de um percurso. este é já um poema com uns bons 3 anitos. tenho constatado muito ultimamente que os meus poemas de há alguns anos, e que eu, talvez injustamente, considero despojos, são talvez os que mais interessam: erros fundamentais!