sexta-feira, 21 de março de 2008

para robert desnos

"o último poema"

(agora) sou um modo de inclinar
a mão (que alinhava o vento aos lábios)

sobre a brancura

sou uma forma de saborear a leveza
dos venenos rente ao pulso ígneo

sou muros de lume em redor

das veias do pescoço,

sou tudo aquilo que o verso divide
e reparte (sem poder dizer mais nada)

sou a rectidão oblícua da penumbra
das casas, uma voz que nada toca

e sou de arame sempre que me tocas
a pálpebra, e me ofereces frutos
e me ensinas depois

a arborização da seda através
das corolas solares atravessando

os olhos feitos de água negra

(agora sou) o resultado de saber
que, uma vez ditos, os nomes

são máquinas de produzir olvido:

a forma de um rosto se inclinar sobre

os naufrágios da noite, e saborear

o gosto do lume dobrando-se dentro
das sementes

(agora) inertes num chão de cinza (as palavras),

sou finalmente
a forma como a sombra se inclina sobre
os olhos (quando me olhavas a partir de mim)

sou nada mais que um esquecimento
de pálpebras

e toda a minha voz rasa
volteando em torno
da pergunta fatal
(que fazer com os teus olhos neste poema?)

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