quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

(escreve-se enquanto não se vê)

debruço-me sobre a ânfora do poema
onde choraste os teus cabelos desfeitos
as águas espelham-te o rosto

e ver é ver o lume
é narciso no conluio das imagens
quando a mão adestra o branco ao lugar
(um poema nunca existe)

a cal, a cal é o fundamento
de todas as paisagens

o branco revela o verbo
o seu sangue branco aberto
em flor na ponta da vara
das falanges sempre expostas ao flagelo:

o poema é narciso
tecendo relâmpagos

com as limalhas de ferro dos rios arrancados
ao dom de ver na conformidade
do cálculo dos coágulos attravessando a memória: o tempo
aniquilado no torno de um elogio duradouro

o poema é suster o gesto de olhar sobre as massas terríveis
e promover um desvio salubre:
é simples como esquecer um rosto amado

é branco, o poema: as mãos que tocam as labareadas
ardendo sobre os caudais que me atravessavam
os ombros quando me tocavas
e não havia tanta água rubra entre nós

(escrevo enquanto não te vejo)

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