terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

para que tudo possa ser recriado

I- lugar
1
em redor de quem escreve, é como se
se estivesse rodeado de feras

são as medusas do em canto

o nome sísmico como se

se abrisse sobre onde
o prodígio da voz ladeia o abismo dos dedos

uma fenda no meio do texto
como se fosse uma casa

2
quem escreve sabe: para
que o poema tivesse lugar
as musas haveriam de devorar as paisagens
de um extremo ao outro do corpo, para

que quem fala possa
atravessar o lume, e ficar
para sempre branco, imperfeito,
escrito sob a sombra da cinza
e possa ser a voz do sopro para sempre
gravada na pedra arqueada através
de onde a cal ferve no contorno do círculo
que a liga ao pulmão ígneo;

cal, o nome do lugar que leva
ao verídico nome do verbo, ao seu sono branco
ao seu olhar de medusa ameaçando as paisagens,
que emudecem nos lugares
onde toda a sombra estremece

3
tudo cresce em desmesura nos lugares
onde o poema deixa o seu selo

o seu rastro de pólvora
os seus dedos acesos no toque sempre primeiro
de cada coisa

é o poema que acorda as paisagens e as faz
crescer no sopro de quem alinhava a carne do texto
e dobra depois o pulmão sobre
o abismo da brancura

de quem acorda os olhos da medusa
do seu sono de pedras preciosas,
de quem dirige o seus caudais de lume
para os poentes indeclináveis

4
porque é preciso saber
que quem escreve elabora

o gesto que tem de ser feito
o gesto sempre em desmesura
para que o lume não devore completamente
as paisagens

para que se possa ver a casa: o lugar onde
um corpo se dobra sobre si mesmo

uma casa no centro do corpo
como se fosse uma fenda

aquele que escreve o poema sabe
que tudo existe como se fosse para sempre,
ou como se nunca houvesse existido

e como se o fogo não fosse
a fome cardíaca de quem quer
que tudo também desapareça

para que tudo possa ser recriado
(sobre tudo o amor)

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