quarta-feira, 6 de maio de 2009

recordação

lembro-me. é preciso que me lembre. sobretudo.
de quando cantavas
e te erguias desde os alicerces das casas
desde o enorme coração do chão

compreendo agora que o meu trabalho
é expor a metástase de que uma imagem é capaz
e a ascensão das luas de dentro dos púcaros
à janela. é minha a tarefa

de explicar o coração dos pássaros
e a sombra semeada no coração dos homens
e as pontas dos dedos queimadas de guiar meteoros

devo ser capaz de dizer tudo. dar forma
a tudo. imitar a água e o vento
devo ser capaz de distribuir
a promessa dos dilúvios
e suportar o peso de todos os prodígios
e devo ainda sorrir perante as árvores
carregadas de frutos, perante a melopeia das casas

mas recordo-me sobretudo de quando chegavas.
nesse tempo eu era jovem
e os meus anos incontáveis.
hoje, quando me deparo com a distância
que essa voz me abre, não consigo deter-me no movimento. ardo.
em elipse. desde o olhar erguido à altura das janelas
até aos tornozelos onde tenho o coração.
tão raso como as lages da madrepérola
onde antes te deitavas, branca e branca
e eu sem voz para te dizer

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