quinta-feira, 30 de abril de 2009
quatum mechanics
antes da carne
é meu já o beijo antes da boca
tudo se diz antes do dito
depois o rito é o que se diz
por cima do dito pelo não dito
(disse-me o sr. prof hoje na aula
que o heseinberg não percebia nada;
que o princípio da incerteza na verdade
se chama princípio da indeterminação ou da indiscernibilidade, sei lá;
não sendo muito versado nestes assuntos,
não pude deixar de pensar, não de todo sem uma ironia totalmente
destituída de bonomia) enquanto
tomava um duche, depois de haver chegado
a casa, que de facto há um grande mérito
em postular que a contingência é a consequência de
um cálculo que nos dá nada mais nada menos a resposta que já sabíamos à partida.
chama-se a isto príncipio da complementariedade.
explico: não podemos ter posição e movimento ao mesmo tempo. heisenberg.
e então: isto deve-se ao facto de as partículas se comportarem intrinsecamente assim,
ou seja, trata-se de um problema ontológico, é-nos dada a posição sempre à condição de perdermos o movimento: é-nos dada a presença sob a condição de nos ser tirado o tempo, a duração e inversamente?
ou é devido à forma como a nossa sensibilidade está estruturada que não podemos ter
momentum e quamtum ao mesmo tempo, tratando-se assim de um problema epistemológico?
mas não, nada de incerteza, nada de acaso, nada de contingência. nada disso.
nós cientistas profs de faculdade que somos a fina flor da inteligência,
vamos mas é dizer que essa contingência é o produto de um cálculo que nós conseguimos fazer, mas um cálculo que apenas nos devolve ao que já sabíamos. genial.
é quase como dizer «eu estou morto» e matar-se para verificar que se estava vivo antes de morrer.
genial, e depois fala-se de compromisso ontológico: tal coisa jamais poderá ser fundada num cálculo, muito menos num cálculo que, recusando a contingência, vai dizer que se a soma não é a que queria e esperava obter, eu também já havia previsto isso.)
domingo, 19 de abril de 2009
co-poema
amamos
as estrelas que transbordam da terra,
como se encontrássemos o mapa
do império das mãos.
a terra, húmida, evade-se entre a boca
e os peitos de argila,
campos e campos sagrados de lume
deslocam os corpos
pelos horizontes de plasma.
e, no céu do teu coração,
decantam-se as raízes
das pedras,
como se
a tua morte fosse o mapa
e nós renascêssemos nos minerais dos dedos.
o sangue jorra até aos dedos, como sabes,
inunda as falanges
e forma rostos
que comovem as teclas de um piano.
o pianista escreve, sonha com cavalos,
bombeia o coração até à tecla mais alta
onde nasce o mapa
das tuas mil aortas.
já caímos
já amámos o que napoleão amou,
mas,
na estepe da terra
as estrelas ouvem os acordes
dos corpos nas batalhas, e, por isso,
agora és carne eterna
emudeces ou cantas
és sonho de mil aortas, como
de mil espelhos.
Maria Khépri e Ruy Narval
domingo, 12 de abril de 2009
Das Wandern ist des Müllers Lust,
Das Wandern!
Das muß ein schlechter Müller sein,
Dem niemals fiel das Wandern ein,
Das Wandern.
Vom Wasser haben wir's gelernt,
Vom Wasser!
Das hat nicht Rast bei Tag und Nacht,
Ist stets auf Wanderschaft bedacht,
Das Wasser.
Das sehn wir auch den Rädern ab,
Den Rädern!
Die gar nicht gerne stille stehn,
Die sich mein Tag nicht müde gehn,
Die Räder.
Die Steine selbst, so schwer sie sind,
Die Steine!
Sie tanzen mit den muntern Reihn
Und wollen gar noch schneller sein,
Die Steine.
O Wandern, Wandern, meine Lust,
O Wandern!
Herr Meister und Frau Meisterin,
Laßt mich in Frieden weiter ziehn
Und wandern.
quinta-feira, 2 de abril de 2009
ao longo das sebes
que provo as uvas
é ao longo do mundo
que ergo o braço
e toco o sol no centro
do rosto
o mosto do poro
exposto à erosão da memória
o verso sempre dito pela medida certa
excedido por tudo aquilo que não toca
quarta-feira, 1 de abril de 2009
instantâneo hegeliano
o pão e o vinho
nas ladeiras diante do poente
e semeado o sal nas planícies; e
seca a brancura
dos lençóis nos leitos
onde pele a pele
trocámos o gosto exótico das especiarias
e a respiração dos rios
o lugar de onde se parte
está sempre no mesmo sítio
a cal plantada na raiz do nervo
juntamente com a voz
que perece sempre duas vezes
sábado, 28 de março de 2009
da palavra do poeta
todos os poetas estão mortos.
a mão existe/é
separada do gesto.
o olho escreve a sombra
sobre o nascimento
toda a voz é impossível.j
terça-feira, 24 de março de 2009
écloga
se no/do leito me vires ausente, se pressentires
a ausência do meu nome, avança
até à varanda azul do fruto, e escolhe
a melhor copa de árvore para a calibração
das minhas veias
se a árvore não entrar imediatamente em flor
e as noites forem sanguinárias,
não desesperes; sabe que também o leite
pode enegrecer e o vento emudecer
aguça o olhar, performa os ritos,
e entrega-te por momentos ao delírio e à volúpia
de todos os presságios; mas, confia no oráculo
das amendoeiras em flor e no pranto crepuscular
das flautas arrebatadas pelos zéfiros
o meu corpo encarnará das tuas pontas dos dedos
perscrutando os espaços (e o meu nome) poro a poro,
e eu far-me-ei de novo
pétala a pétala
emergirei do sossego dos lagos
que olhas nos fins de tarde, ou dos nódulos
da madeira do soalho, onde te deitas
serei o teu leito, e terás de novo
a minha boca
fruto a fruto
findar-se-ão os lutos e agonia das paredes
e não mais terás de amolar facas com o coração,
andar madrugadas à chuva, ou subir às copas das árvores
à procura da minha boca,
poderás de novo atear-me pelos tornozelos, que,
como tu dirias, incendiar-me-ei, e
não mais terás de beber o alcatrão das trovoadas
ou congeminar abcessos nos sonhos, que
serei a presença, a carne ateada do meu nome
até às pontas das falanges dos dedos, que te tocam
com o peso e a massa certa de um coração em flor
poderei perfumar-te de caules
poderás crescer-me em redor da cintura
poderás saber os meu nome veia a veia
e ver-me crescer-te em redor dos ombros
e orquestrar solstícios e equinócios
colcheias de lume e clareiras de pássaro
(eu, que te amo e quero gume a gume)
mulher cujos cabelos
têm o perfume das constelações e o júbilo
das copas em flor: sou o teu corpo verídico;
és a minha aurora de pulso, as
minhas veias todas correctas para
a construção da permanência
não mais atires o coração, aos frutos,
aos rios
terça-feira, 17 de março de 2009
Corona
Autumn eats its leaf out of my hand: we are friends.
From the nuts we shell time and we teach it to walk:
then time returns to the shell.
In the mirror it's Sunday,
in dream there is room for sleeping,
our mouths speak the truth.
My eye moves down to the sex of my loved one:
we look at each other,
we exchange dark words,
we love each other like poppy and recollection,
we sleep like wine in the conches,
like the sea in the moon's blood ray.
We stand by the window embracing, and people
look up from the street:
it is time they knew!
It is time the stone made an effort to flower,
time unrest had a beating heart.
It is time it were time.
It is time.