campânulas de vidro desenhado
sobre o vidro, de vidro
(e dentro das casas)
o vento norte entre
a espada e a parede
a mão entre a lavra da cal
e a doçura do silêncio
e de vidro a boca pouca louca
para tanta água
de vidro sempre
a veia a pretexto do sangue
campânulas
transparente ciência infusa
e brilha também ao alto
o sangue nos coágulos
na extremidade mais porosa da memória
uma ave-campânula semeada em chão de página
é este todo o acto que obsidia, o acto
de circunscrever odores a precisão melódica
toda a sintaxe erguida a partir
do mármore
ciência sonora do sangue
o fundo poder de adivinhar e dizer
por sangue
campânulas, o som que fazem, e produzem
ao passar por elas adentro
todo o rumor do mundo,
todo o mundo omisso
entre a lavrada terra funda
e a infundida leveza do verso
de vidro de vidro a música, duvido
que haja outra forma de cantar
senão com a mão funda dentro
do sangue
e o astro-lábio habilitado
à síncope melódica
com a mão lavrando campânulas sobre
o vidro eléctrico
os pronomes como
espelhos olhando espelhos
olhados olhos olhados a partir
do omisso centro das imagens
é uma confiança cega, o ritmo
é assim que se perde finalmente um rosto
e diz-se "a mão na pena vale a mão na charrua"
e senta-se a assim, levíssimo, feito tão-só de ar,
num verão de amoreiras em torno do pensamento
convocam-se incêndios em celeiros de amor
porque tudo é sempre devido àquele
que conheceu o mundo
não se lamenta nenhum espelho
e pensa-se em campânulas com o sangue do avesso
do mundo, pensa-se em árvores semeadas
sobre a lavra do pó
pensa-se em poemas, acredita-se (sabe-se)
que tudo está sempre por fazer
acredita-se no puro movimento das palavras,
como se
incêndios de aves rodeassem
in-ter-mi-ten-te-mente
o tímpano
e mente o tímpano que ouve a/à distância
"todo o anjo é terrível"
e descobre-se que é preciso tão-só
plantar as coisas no vento: campânulas
para que o pássaro de boca do poema
possa sempre acompanhar
a cega floração do sal
campânulas os poemas assim escritos
no contágio de lume e ave
e, de vento os poemas: som, som, som
som, habilitado à travessia do odor
sim, corpos gestos: o odor deslocado no sopro
mãos depois, mãos: o odor colhido
sim, o poema começa sempre pela
abdicação dos olhos
vidro escrito sobre vidro,
apesar de tudo e de nada
"no mundo"
quinta-feira, 21 de maio de 2009
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